O universo permeado de máquinas de Levi Bryant

Por Winfried Nöth
Tradução Adelino Gala

Qual é a diferença entre um refrigerador e uma obra de arte? A pergunta soa como a introdução de uma piada do tipo “o que é o que é”, onde no final somos induzidos a descobrir motivos comuns e surpreendentes entre as noções aparentemente incompatíveis. Qual é a diferença entre um funcionário e a madeira? – A madeira trabalha.

O terreno comum no qual Levi R. Bryant induz seus leitores a descobrir a semelhança entre um refrigerador e uma obra de arte, em sua Onto-Cartografia (2014: 18), deixa surpresos os leitores despreparados, quando estes descobrem que “ambos são máquinas”. A ontologia plana de Bryant não poderia ser mais plana. Não são máquinas apenas os frigoríficos e as obras de arte, mas também o são “árvores, os planetas vivos e os átomos de cobre” (ibid.). Quando Bryant fala de um mundo assim permeado com máquinas, ele obviamente se refere a objetos para os quais não se atribui qualquer das conotações negativas com que a palavra máquina tem se relacionado no curso de sua história. Por uma máquina, Bryant não significa um “estratagema”, um “dispositivo enganoso” e muito menos um “instrumento de opressão dos seus usuários”. O universo de Bryant é permeado com máquinas em um sentido muito diferente.

As entidades materiais e não materiais que Bryant chamava de “objetos” em seu livro anterior, A Democracia de Objetos (2011), foram renomeadas “máquinas” em seu livro de 2014: “‘Entidade”, “objeto”, “existente”, “substância”, “corpo” e “coisa” são todos sinônimos de máquina, declara Bryant agora (2014: 15). Os fundamentos desta premissa, é claro, estão no realismo especulativo de Bryant, na virada metafísica da filosofia dos realistas especulativos, e na ontologia achatada de Bryan. Todos estes merecem um exame muito mais minucioso do que pode ser dado aqui. No entanto, um primeiro olhar no universo das máquinas de Bryant pode ser uma empreitada benéfica para os leitores do blog do Transobjeto.

Em 1906, Charles S. Peirce (que não está entre os autores citados por Bryant em seus livros de 2011 e 2014) declarou que “o universo inteiro, – não apenas o universo dos existentes […] é permeado de signos, se é que ele não é composto exclusivamente de signos” (1906: 394). Um século mais tarde, Bryant declara que este universo é permeado por máquinas e acaba, em última instância, por ser uma máquina em si. “Máquina é, portanto, o nosso nome para qualquer entidade material ou imaterial, corpórea ou incorpórea, que existe”, conclui Bryant.

A reivindicação de Bryant é que seu conceito abrangente de máquina encontra apoio nas definições dadas pelo Dicionário de Inglês Oxford (OED) para o substantivo “máquina” (2014: 15). No entanto, um olhar mais atento ao que o OED diz sobre os diversos significados da palavra, desde meados do século XVI, revela que esta afirmação é bastante ambígua, se não deliberadamente inclinada em direção à própria semântica de Bryant. É verdade que o OED, na primeira de suas onze definições da palavra, fala da máquina no sentido bastante amplo de “uma estrutura material ou imaterial, o tecido do mundo ou do universo; uma construção ou edifício”. No entanto, o dicionário também acrescenta que este significado é raro hoje em dia e não indica que uma máquina, nesse sentido, é considerada “um corpo que funciona como um corpo independente” (sic!), como cita Bryant (p. 15). Em verdade, a primeira das onze definições do OED fala de uma “estrutura que funciona como um corpo independente, sem o envolvimento do mecânico” (itálicos adicionados).

Além disso, as referências citadas pelo OED para documentar o significado de “máquina”, desde 1545, estão longe de dar evidências ao argumento de que o universo é permeado de máquinas porque “o ser nunca se constituiu de qualquer outra coisa, senão máquinas”, como coloca Bryant (ibid.). Em vez disso, os usos do termo no início do século XVI apenas ilustram as idéias antigas, medievais e renascentistas do universo cósmico como uma “grande máquina” construída por Deus, como Camões coloca em sua obra Lusíadas (X, 75-91). Outros usos da palavra, também atestadas pelo OED, que subsumem certos “dispositivos”, “constructos” ou “artifícios” sob o nome de “máquina”, são claramente uma derivação metonímica da idéia mais geral do universo como uma máquina cósmica. É claro que a falta de provas lexicográficas em apoio ao sentido abrangente que Bryant dá agora à palavra máquina não proíbe a redefinição do conceito para o benefício das gerações futuras.

Bryant postula um novo campo de pesquisa com o nome de mecanologia, embora admitindo que este novo campo, como ele concebe, ainda não existe uma vez que não temos “nem mesmo certeza de que diferentes gêneros e espécies” máquinas realmente consistem (ibid.). “Não diferente da zoologia e botânica” esta nova mecanologia deve “investigar as características essenciais de diferentes tipos de máquinas” (2014: 17). Sua visão de uma nova ciência sob o novo nome de mecanologia no início do século XXI é claramente uma reminiscência da visão de outra ciência para o futuro, cujo anúncio se encontra no início do século XX nos escritos de Ferdinand de Saussure. Em 1916, ele foi o fundador da semiótica estruturalista do século XX, que pleiteava ser uma nova ciência sob o nome de semiologia cujo objetivo deveria ser o de estudar “a vida dos signos no seio da sociedade”. Como Bryant em 2014, Saussure reconheceu em 1916 que a nova ciência, cujo “direito à existência” ele postulava, “ainda não existia” (1916: 16). Semiologia ou semiótica se tornou um paradigma intelectual líder das ciências humanas do século XX, como sabemos. Seria a mecanologia destinada a se tornar a semiologia pós-humana ou mesmo não-humana do século XXI?

O novo campo de pesquisa sobre máquinas de Bryant, sob o nome de mecanologia começa com o estudo das máquinas que são familiares para nós na vida diária. O autor atribui a estas máquinas do passado três características, as quais ele considera ultrapassadas à luz de sua nova e abrangente mecanologia (2014: 15-25).

A primeira é a rigidez: “Uma máquina rígida é uma máquina constituída por peças de material fixas, caracterizada por funcionamento rotineiro e é incapaz de aprendizagem, crescimento e desenvolvimento” (p. 16). No entanto, quando se trata de exemplificar essa classe de máquinas, Bryant já vai muito além do tipo de máquinas que acreditamos conhecer. Seus exemplos de máquinas rígidas não incluem apenas “automóveis, computadores primitivos, telefones celulares e as lâmpadas, mas também rochas, planetas e cometas mortos, partículas atômicas, e assim por diante” (ibid.).

A segunda característica das máquinas, como as conhecemos há séculos, é que elas são projetadas. Nós sempre aprendemos que máquinas, tais como automóveis, computadores, telefones celulares, lâmpadas e moinhos de vento holandeses são projetadas: “O termo ‘máquina’ nos leva a pensar sobre aquela pessoa, ser racional, ou pessoas que projetaram e fabricaram a máquina. Nós encontramos um moinho holandês e somos levados a pensar naqueles que conceberam e construíram o moinho de vento” (17-18), mas Bryant nos diz por que é um viés antropocêntrico crer que essas máquinas são projetadas de acordo com os planos de um designer humano. Quando acreditamos que elas são projetadas por agentes humanos, “nós esquecemos tanto do tempo de produção como do engajamento com os materiais do mundo” (p. 19). Em vez disso, se considerarmos o papel da temporalidade e materialidade em sua produção, só podemos admitir que os designers tenham colaboradores não-humanos com quem eles precisam negociar no processo de design e produção: “A produção de qualquer artefato está muito mais próxima de uma negociação do que a simples imposição de uma forma em cima de uma matéria passiva. E, como é o caso de todas as negociações, o resultado final ou produto da negociação não pode ser considerado o resultado de um plano pré-existente e bem definido”, conclui Bryant (19).

A terceira caracterização tradicional de uma máquina que Bryant considera desatualizada é a de que elas devem ter uma finalidade intrínseca. “Dizemos que o propósito da faca elétrica é cortar o peru ou o pão e que a máquina de barbear elétrica é para ser usada para fazer a barba e o bigode” (p. 23), admite Bryant em uma paráfrase da visão tradicional para que as máquinas são feitas. No entanto, o autor se recusa a reconhecer que esses efeitos são intrínsecos, mas, quando busca justificar por que deveria ser errado tratar propósitos determinados “como se fossem características intrínsecas da máquina”, Bryant assume a conclusão como premissa inicial do argumento. Em sua retórica, o autor não se intimida em usar a estratégia da petitio pricipii, ao formular a sua argumentação, a saber: “Se é verdade que todas as entidades, coisas ou objetos são máquinas, então é claramente o caso que as máquinas não têm uma finalidade intrínseca” (ibid.).

No entanto, Bryant também oferece alguns argumentos substanciais para justificar que uma caneta esferográfica ou uma capivara são máquinas sem uma finalidade intrínseca. Uma delas é que todas as máquinas são pluripotentes no sentido de que elas podem ter muitos usos diferentes (23-24). De acordo com Bryant, os roedores da espécie capivara são máquinas sem “uma finalidade intrínseca para além de si mesma, tais como servir como alimento para os crocodilos e leopardos, ou desmontar a vida das plantas através da digestão para o bem da criação de um solo fértil para outras plantas. Capivaras podem ser colocadas para estes usos por outras máquinas como crocodilos, leopardos e plantas, mas estes usos não são uma parte do seu ser como máquinas” (p. 23).

Outra razão aduzida por Bryant contra a assunção de que as máquinas devem ter um propósito inerente é que elas têm mais do que um objetivo. Embora projetada e produzida para fins de escrita, uma caneta esferográfica não tem esta finalidade intrínseca. Servir como propósito de um instrumento de escrita não é a razão ontológica de seu ser, argumenta Bryant. A caneta esferográfica não tem este propósito; ela só pode ser “posta à utilização” do mesmo.

Ainda pode ser observado de passagem que esta última razão de Bryant, contra o argumento de que objetos de utilidade prática podem de fato ter propósitos inerentes, está atrelada precisamente ao preconceito antropocêntrico sem o qual Bryant queria justificar sua ontologia plana de objetos, aliás, de máquinas. Pois, quando Bryant diz que uma caneta esferográfica só pode ser “posta à utilização” de seu propósito, ele sugere que apenas um agente humano externo, extrínseco a este dispositivo técnico, faz desta “máquina” uma ferramenta para escrever.

O que falta neste momento é um diálogo com aqueles que, num quadro teleossemiótico, defendem a idéia de que os objetos culturais de uso prático, de fato, têm um propósito inerente, ou seja, um diálogo com aqueles que propuseram uma teoria teleológica de bens culturais com base em princípios evolutivos (Dretske, Papineau, Neander, e Millikan, em particular). O argumento teleossemiótico a favor da hipótese de que os objetos de uso prático têm fins inerentes é que o seu objetivo reside no fato de serem úteis e, assim, para sobreviver em um mercado de produtos concorrentes têm que se manter como tal (ver pormenores em Nöth 2009).

Depois de ter rejeitado tantos critérios que não se aplicam às máquinas em seu novo sentido abrangente, Bryant ainda precisa ser ouvido quanto às características positivas distintivas que ele atribui às máquinas em seu novo sentido ampliado. A essência das razões de Bryant para chamar as entidades múltiplas que habitam seu universo cósmico e cultural de “máquinas” é que todas elas evidenciam alguma agência, seja humana ou não humana. Bryant hesita e até se recusa a nominar os habitantes de nosso universo “objetos” porque ele precisa evitar as conotações antropocêntricas e humanas com que este termo é sobrecarregado em sua oposição ao termo “sujeito”. Objetos, ou como Bryant prefere chamá-los, máquinas, são agentes, melhores colaboradores ou coagentes, seja humano ou não humano, nos processos já em curso. As razões pelas quais Bryant chama os objetos de máquinas se resumem a dois: “Em primeiro lugar, o conceito de máquina capta de modo admirável a essência de entidades como seres que funcionam ou operam. Ser é fazer, operar, agir. Em segundo lugar, onde ‘objeto’ evoca conotações de um oposto ou posto por um sujeito, ‘máquina’ evita essas associações, permitindo-nos sair de uma obsessão filosófica de 400 anos de idade com o interrogar da relação entre sujeitos e objetos” (p. 15).

Quando Bryant usa o verbo “operar”, um sinônimo erudito do verbo “trabalhar”, para descrever a agência de máquinas, a sua escolha de palavras está bastante alinhada com o nosso uso diário da linguagem, que sempre atribuiu à capacidade de trabalhar para ambos os agentes humanos e não humanos. Não só os funcionários públicos, mas também a madeira e outras “máquinas” trabalham ou não trabalham como dizemos. No entanto, quando dizemos que a madeira ou máquinas trabalham, a nossa cultura antropocêntrica nos faz acreditar que estamos falando “apenas” metaforicamente uma vez que, na verdade, somente os seres humanos e, talvez, as formigas, são seres de trabalho, enquanto que a madeira e as máquinas não são. Bryant, pelo contrário, se oporia e argumentaria que máquinas trabalham literalmente.

Em sua colaboração com os seres humanos, as máquinas agem com uma agência não-humana, porque elas apresentam um certo grau de independência do controle de seus operadores humanos, e, em certo sentido, elas controlam seus operadores. Em uma linha de argumentação adotada do filósofo da tecnologia Lewis Mumford, Bryant argumenta que as máquinas, devido às próprias exigências técnicas, “emitem certos imperativos sobre seu designer que fogem às intenções do designer [… de modo que] a própria máquina acaba por contribuir para o design de modo não intencionado pelo designer” (2014: 19). Na verdade, “a matéria impõe imperativos sobre os designers em todos os níveis”, mas o que é verdade sobre a matéria é igualmente verdade sobre as ferramentas, máquinas, e nosso meio ambiente em geral (ibid.): Ferramentas e máquinas “impõem as suas técnicas sobre nós [… e] emitem certos problemas como imperativos a serem resolvido” (p. 20). Eles são “actantes não-humanos [… com] uma estranha autonomia e vitalidade” própria, diz Steven Shaviro em seu Universo das Coisas (2011: 3).

Neste ponto, é impossível ignorar por mais tempo as afinidades, sem negligenciar as diferenças, entre os universos mecânicos de Bryant e os universos semióticos de Charles S. Peirce. O universo de Peirce não é apenas permeado de signos, como é o de Bryant com máquinas, mas os habitantes dos dois universos são semelhantemente ativos. Para Bryant, a agência das máquinas que habitam o universo mecânico é de uma de ordem ontológica. O ser de suas máquinas é da natureza de um fazer, operar, ou agir, como visto acima. Os agentes do universo de Peirce estão envolvidos em atos de semiose, “a ação, ou influência, que é, ou envolve, a cooperação de três sujeitos, como um signo, seu objeto e seu interpretante”, pelo qual ele significa “a ação de quase qualquer tipo de signo” (Peirce [1907] 1998: 411).

Bryant faz observações céticas sobre o potencial analítico da semiótica no estudo da realidade. No entanto, seu conhecimento da semiótica é restrito à versão estruturalista dela. O autor faz sua crítica acreditando que, para a semiótica, o mundo é “estruturado pela língua e cultura, que as diferenças introduzidas por signos diacríticos esculpem o mundo e que a mudança [pode ser] efetuada através do desmerecimento desses agenciamentos de significando” (p. 4). Isto não é, em absoluto, o que Peirce significa como semiose e agência dos signos.

Bryant está convencido de que os objetos do universo, que ele descreve como máquinas, agem imperativamente e que sua agência é aquela que “insiste” (ibid.). Peirce postula uma insistência semelhante dos objetos dos signos, os quais podem ser quaisquer coisas de quaisquer espécies que determinam os signos e são por estes representados. O chamado objeto dinâmico ou real insiste sobre os signos e a cognição, uma vez que “é a realidade que, por alguns meios, conspira para determinar o signo à sua Representação” (CP 4.536, 1906), ou, como Peirce diz em sua carta a Lady Welby de 1906: “o objeto dinâmico […] significa algo forçado sobre a mente na percepção” (SS 197).

Em que outros sentidos os signos que habitam o universo da semiótica de Peirce são agentes e em que sentido a mecanologia de Bryant toma ou não máquinas semióticas em consideração são temas que só podem ser examinados em um quadro mais amplo (Nöth 2002, 2009, 2010a, b, 2012, 2014). No entanto, um último tema na interface entre semiótica e mecanologia precisa ser abordado na conclusão, o tema da instrumentalidade dos signos.

Em uma série de artigos publicados desde 2009 (Nöth 2009, 2010a, b, 2012, 2014), já abordei a questão da instrumentalidade do signo à luz da teoria da agência do signo de Peirce. O argumento desses artigos foi de que os signos, em alguns aspectos, não são instrumentos, embora em outros aspectos sejam. Por exemplo, os signos não podem ser instrumentos de nossos pensamentos já que os nossos pensamentos são também signos. Os signos também não são instrumentos no sentido de ferramentas que atuam em seu ambiente por causalidade eficiente ou mecânica, já que a agência dos signos funciona em um princípio diferente de causalidade final.

Bryant, pelo contrário, dá evidências do “ser-ferramental” (como coloca Harman 2002) dos signos em um sentido muito diferente. Em seu universo mecânico, os signos são máquinas incorpóreas (Bryant 2014: 26), não no sentido da causalidade eficiente ou mecânica aristotélica pelo qual as máquinas são, normalmente, ditas como seres que funcionam, mas no sentido bastante diferente de uma causalidade final, o que está bastante de acordo com aquela pela qual os signos operam segundo a teoria da semiose de Peirce. No sentido bastante incomum do “ser-ferramental” que Bryant atribui a suas máquinas incorpóreas, os signos são, certamente, ferramentas, ainda de acordo com premissas peirceanas. Se desconsiderarmos as referências um tanto patéticas de eternidade, as características a seguir que Bryant atribui às máquinas incorpóreas e aos seus modos de serem incorporadas nos signos (Nöth & Santaella 2011) são certamente características que Peirce, também, em seus próprios contextos semióticos, atribui aos signos, em particular para os símbolos:

Máquinas incorpóreas […] são definidas por iteratividade, potencial de eternidade e a capacidade de manifestar-se em uma variedade de diferentes localizações espaciais e temporais de uma só vez, mantendo a sua identidade. Receitas, notas de músicas, números, equações, teorias científicas e filosóficas, identidades culturais, romances, e assim por diante, são todos exemplos de máquinas incorpóreas. […] Todas as máquinas incorpóreas exigem um corpo físico a fim de existir no mundo. Números, por exemplo, devem ocorrer no cérebro, bancos de dados de computador, grafite, giz, etc., a fim de existirem no mundo. Por que, então, se referir a essas máquinas como incorpóreas se elas sempre exigem em algum tipo de corpo físico? A incorporealidade de uma máquina incorpórea não consiste em ser um fantasma imaterial, mas sim na capacidade dessas máquinas de serem multiplamente instanciadas, iterativas, ou copiadas, mantendo a sua identidade. Várias cópias do The Waves podem ser feitas, enquanto o romance de Woolf permanece o mesmo. Além disso, continua a ser aquele mesmo romance, independentemente do corpo físico que tem. Seu corpo físico pode ser o giz em um quadro, papel, o pensamento de uma pessoa que tem uma memória excepcional, um banco de dados de computador etc. O mesmo acontece com as máquinas incorpóreas como o número 5, que pode ser pensado e inscrito em vários lugares no universo, mantendo-se a si mesmo. O mesmo é verdade para as identidades culturais que podem ser instanciadas em uma variedade de pessoas. Máquinas incorpóreas são incorpóreas não em virtude de serem imateriais, mas em virtude de serem iterativas, mantendo a sua identidade. É esta iteratividade que as impregna com um potencial de eternidade. Enquanto a inscrição permanece ou a máquina incorpórea é copiada ou iterativa, ela continua a existir. (Bryant 2014: 26)

Referências

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Bryant, Levi R. 2014. Onto-Cartography: An Ontology of Machines and Media. Minneapolis: University of Minnesota Press.

Harman, Graham. 2002. Tool-Being: Heidegger and the Metaphysics of Objects. Chicago: Open Court.

Nöth, Winfried. 2002. Semiotic machines. Cybernetics & Human Knowing 9.1: 5-22.

Nöth, Winfried. 2009. On the instrumentality and semiotic agency of signs, tools, and intelligent machines. Cybernetics & Human Knowing 16.3-4: 11-36.

Nöth, Winfried. 2010a. Instrumentalität, Autonomie und Selbstreferenzialität der Zeichen. Kodikas /Code 33.1-2: 139-148.

Nöth, Winfried. 2010b. Machines of cultures and cultures of machines. Lexia: Revista di Semiótica, nuova serie 5-6, 41-58.

Nöth, Winfried. 2012. Control. In A More Developed Sign: Interpreting the Work of Jesper Hoffmeyer, D. Favareau, P. Cobley, and K. Kull (eds.), 79-81. Tartu: Tartu University Press.

Nöth, Winfried. 2014. The life of symbols and other legisigns: More than a mere metaphor? In Peirce and Biosemiotics: A Guess at the Riddle of Life, V. Romanini & E. Fernández (eds.), 171-182. Heidelberg: Springer.

Nöth, Winfried & Lucia Santaella. 2011. Meanings and the vagueness of their embodiments. In From First to Third via Cybersemiotics – A Festschrift Honoring Professor Søren Brier on the Occasion of his 60th Birthday, T. Thellefsen, B. Sørensen, and P. Cobley (eds.), 247-282. Copenhagen: SL forlagene.

Peirce, Charles S. 1906a. The basis of pragmaticism in the normative sciences. In Peirce, C. S. 1998. The Essential Peirce, vol. 2. Ed. The Peirce Edition Project. Bloomington: Indiana University Press, 371-397.

Peirce, Charles S. 1906. Prolegomena to an apology for pragmaticism. The Monist 16: 492-546. Also in CP 4.530-573.

Peirce, Charles S. 1907. Pragmatism. In Peirce, C. S. 1998. The Essential Peirce, vol. 2. Ed. The Peirce Edition Project. Bloomington: Indiana University Press, 398-433.

Peirce, Charles S. 1977. Semiotics and Significs: The Correspondence between Charles S. Peirce and Victoria Lady Welby. C.S. Hardwick (ed.). Bloomington: Indiana University Press (quoted as SS).

Peirce, Charles S. 1931–1958. Collected Papers, vols. 1–6, ed. C. Hartshorne and P. Weiss, vols. 7–8,

  1. A. W. Burks. Cambridge, MA: Harvard University Press (quoted as CP).

Saussure, Ferdinand de. (1916) 1969. Course in General Linguistics, transl. Wade Baskin. New York: McGraw Hill.

Shaviro, Steven. 2011. The universe of things. Theory and Event 14.3 (DOI: 10.1353/tae.2011.0027).

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