Categorias Sociais do Ciberespaço: Bloggers

Por Filipe Albuquerque Ito Russo

الطنطاوي, CC BY 4.0, via Wikimedia Commons

[Abstract] “From the origin of the word blog to the rise of the digital influencers, there is a lot of field to cover, this article aims to cover some of it, focusing mainly on the evolution of the social agents known as bloggers. Where do they come from? What moves them? How do they differ from journalists and diary writers? A brief overview of their virtual habitats, practices and themes is presented, along with the theoretical considerations some social scientists have come up with to understand the phenomena of the blogosphere, blogs, bloggers and their impact on both inside and outside the internet.”

Blogger é um termo em inglês que significa basicamente quem produz blog, blog por sua vez é um contrativo de web log, o qual significa registro na rede. Em outras palavras, blogger é um usuário da internet que interage na mesma produzindo voluntariamente registros públicos e virtuais, disponíveis para os demais internautas, em escala mundial.

Os blogs, que colocam em evidência o poder individual na rede das redes, têm servido para muitos propósitos desde o seu surgimento, quando Tim Berners Lee decidiu criar a sua página web e trocar informações com os seus colegas de trabalho. O termo blog, inserido em 2003 no dicionário Oxford da língua inglesa, foi cunhado pelo norte-americano Jorn Barger (Stutz, dez.1999). A revista Wired, na edição de dezembro de 1999, destaca que Barger criou o nome blog em 1997. No entanto, a Wikipedia – uma enciclopédia grátis disponível na Internet – traz dois nomes associados à palavra blog: Jorn Barger e Peter Merholz. Barger teria cunhado o termo weblog (web + log) ao descrever o processo de registro na web. Entre abril e maio de 1999, Merholz teria escrito blog pela primeira vez no seu weblog para evitar uma cacofonia. Blood (2002) relata que o termo ganhou visibilidade quando Cameron Barret escreveu, em 1999, um post intitulado Anatomia de um Blog no Camworld, seu diário na Internet (Quadros, Rosa e Vieira, 2005, p. 2-3).

Em seus primórdios, no fim da década de 90 e no início dos anos 2000, os blogs eram páginas web majoritariamente estáticas, pouco interativas, cheias de texto alfanumérico, com hiperlinks e uma imagem ou outra perdida na malha de palavras e números. As publicações obedeciam a uma ordem cronológica inversa, do conteúdo mais atual para o mais antigo, ainda presente nos atuais feeds e timelines das redes sociais digitais. Em 1999 inaugura-se a plataforma Blogger, inicialmente da Pyra Labs e atualmente da Google, em 2003 a plataforma WordPress, em 2006 a Twitter, em 2007 a Tumblr e em 2012 a Medium. Dali para cá a noção de blogueiro, blogueira e blogueire já sofreu ampliações para abranger youtubers, instagrammers, twitchers e tiktokers, alguns dos quais fazem da sua influência digital nas plataformas uma fonte de renda que em certos casos já chegaram às cifras dos milhões. ‘Há uma legião de indivíduos desamparados, cujo reconhecimento social fica subordinado inteiramente a uma visibilidade espetacular, que atende a uma ordem na qual o único agente do espetáculo é ele mesmo’ (Kehl, 2004, apud Cairoli & Gauer, 2009, p. 211).

Desde seu surgimento e expansão global em ritmo acelerado, a partir do princípio da década de 1990, a Internet tem sido apontada, por diversos autores, como espaço social com potencial para a revitalização do conceito de esfera pública (HABERMAS, 1962), nas bases propostas originalmente a partir do século XVIII (Carreiro, 2009, p. 1-2).

Sabe-se que qualquer pessoa deixa uma pegada, um rastro digital no texto eletrônico, ao interagir na e com as plataformas, mediadoras e qualificadoras de qualquer interação no ciberespaço coletivo. Mas não é este registro secreto, compulsório, oculto, passivo e persecutório de que é feita a cibercultura, muito pelo contrário, as plataformas são espaços regrados de jogo, mas jogos suficientemente complexos a ponto de permitir em sua estética uma liberdade estilística. A criatividade humana encontra fissuras no tecido digital e nessas brechas tece suas próprias narrativas. Nas tantas vitrines dos endereços web, emergem novas formas de sociabilidade e de fazer artístico, onde não raro a intimidade se torna espetáculo. Do olhar introspectivo ao olhar consumidor, ‘os novos gêneros confessionais da internet se apresentam como tentativas bem atuais de “recuperar o tempo perdido” na vertiginosa era do tempo real, da falta de tempo generalizada e do presente constantemente presentificado’ (Sibilia, 2016, p. 154). 

‘Se, portanto, os diários surgem como um modo de fortalecimento histórico para o indivíduo, os blogs são uma forma de anti-história, ou melhor, uma consequência do capitalismo tardio ou de consumo que nos encaminha para […] uma série de presentes perpétuos expostos à exaustão’ (Lima & Maciel, 2005, p. 16). É difícil pensar na internet hoje em dia sem considerar as influências e interesses corporativos e estatais que imprimem na mesma uma complexa subrede de vigilância, para além da vigilância cidadão-cidadão. Do ponto de vista corporativo, a vigilância serve majoritariamente a interesses econômicos, pautados na captura e venda da atenção humana, assim como dos dados de interação. Já do ponto de vista estatal, a ciberpolítica, a cibersegurança, o cibercrime, a ciberviolência e o ciberterrorismo se apresentam enquanto incomensuráveis focos atencionais. A atenção pública já não é mais oligopólio da imprensa.

O mundo evidencia uma realidade na qual muitas das informações circulantes são produzidas fora da mídia convencional, não mais mediadas por empresas tradicionais de comunicação, que reúnem jornais, emissoras de rádio e televisão e, mais recentemente, websites. No centro desta reflexão estão os blogs (Cunha, 2008, n.p).

A atenção então tornou-se esse grande ativo intangível ampla e profundamente cobiçado, evanescente. Nas ágoras das plataformas bloggers disputam, negociam, vendem, compram, dão, doam, oferecem e sequestram instantaneidades, numa lógica, numa retórica da atenção. ‘Sobretudo entre o público adolescente, os blogs são ao mesmo tempo, registro de atividades (como um diário convencional), livros de visitas (registram a passagem de públicos afins) e manifestações de exibicionismo competitivo’ (Lima & Maciel, 2005, p. 14). Os efeitos em rede e em cascata que atravessam o ciberespaço alterando sua paisagem, não são unicamente publicitários, mercadológicos, repressores e vigilantes, mas também críticos, criativos, artísticos e culturais.

Para educar não existe nada que não seja ou possa ser ferramenta de educação; a isso é chamado de oportunismo pedagógico ou pedagogia da oportunidade. Se uma instituição de ensino bloqueia o acesso ao Orkut, por exemplo, eu o transformo em oportunidade de aprendizagem (Santos, 2012, p. 4, grifo no original).

‘Neste ambiente cada vez mais complexo e de sobreadições, a reinvenção dos modelos é o resultado de uma história contada e recontada, na qual o leitor passa também a narrador’ (Cunha, 2008, n.p). Diversas pesquisas já investigam o fenômeno dos blogs, suas especificidades  e potências, tais como os eixos temáticos da literatura e pornografia (Lima & Maciel, 2005), jornalismo (Quadros, Rosa e Vieira, 2005; Lima & Maciel, 2005 e Cunha, 2008), adolescência (Cairoli & Gauer, 2009), cibercinefilia (Carreiro, 2009), comunidades virtuais de leitura e escrita (Luccio & Nicolaci-da-Costa, 2010), microblogging (Zago, 2010), corpos femininos volumosos (Godoi, 2011), vozes e mulheres indígenas (Ferreira, 2011 e Ferreira, 2015), pedagogia (Oliveira, Nogueira, Mendes e Martins, 2011; Santos, 2012 e Santos, 2017), divulgação científica (Sandrini, 2014), comunicação política (Serra, 2015), habilitação psicossocial (Bittencourt & Francisco, 2017), luto materno (Frizzo, Bousso, Ichikawa e de Sá, 2017), blogueiras negras (Silva, 2019), entre tantos outros. Há ainda inúmeros temas também de interesse investigativo que povoam a blogosfera, por exemplo, o esporte. Todavia, o investimento científico ainda falha em contemplar a ampla diversidade temática, identitária e estilística que se articula no interior dos blogs e em seus arredores. ‘Tanto os blogs quanto os diários são uma resposta às grandes narrativas legitimadoras, formas que parecem não encontrar mais lugar na contemporaneidade, como defende J. F. Lyotard’ (Lima & Maciel, 2005, p. 17). O descompasso entre ciência e vida social tende a aumentar exponencialmente com o advento de tecnologias comunicacionais emergentes e com o processo superfluido das (novas) redes sociais digitais. A cidadania planetária efetivada pelo comportamento blogueiro é um dos polos cruciais das disrupções na contemporaneidade.

Referências

Bittencourt, I. G. de S. & Francisco, D. J. (2017). Habilitação psicossocial de pessoas em sofrimento psíquico: um trabalho com produção de blog. Revista Estudos de Psicologia, 22(1), p. 61-67.

Cairoli, P. & Gauer, G. C. (2009). A adolescência escrita em blogs. Revista Estudos de Psicologia, 26(2), p. 205-213. Campinas.

Carreiro, R. (2009). História de uma crise: a crítica de cinema na esfera pública virtual. Revista Contemporânea, vol. 7, n. 2.

Cunha, M. R. da. (2008). Blogs: reinvenções em um cenário tecnológico. Revista Interin, v. 5, n. 1, Universidade Tuiuti do Paraná, Curitiba.

Ferreira, G. C. (2015). Mulheres indígenas nos blogs: discursos e identidades. Dissertação de Mestrado, Programa de Pós-graduação em Letras, Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, Três Lagoas.

Ferreira, L. L. (2011). Vozes indígenas no ciberespaço: funcionamento discursivo de blogs. In: XVI Seminário de Teses em Andamento (SETA), Universidade Estadual de Campinas, Campinas.

Frizzo, H. C. F.; Bousso, R. S.; Ichikawa, C. R. de F. e de Sá, N. N. (2017). Mães enlutadas: criação de blogs temáticos sobre a perda de um filho. Revista Acta Paul Enferm, 30(2), p. 116-21.

Godoi, M. R. (2011). Corpos femininos volumosos e estética: discursos contra-hegemônicos sobre beleza em blogs na internet. Revista Movimento, v. 17, n. 3, p. 153-173. Rio Grande do Sul, Porto Alegre.

Lima, E. L. F. & Maciel, S. D. (2005). Blogs e diários: do contemporâneo ao clássico. Revista Guavira Letras (RGL), n. 2, p. 12-21.

Luccio, F. di & Nicolaci-da-Costa, A. M. (2010). Blogs: de diários pessoais a comunidades virtuais de escritores/leitores. Revista Psicologia, Ciência e Profissão, 30 (1), p. 132-145.

Oliveira, G. F. de; Nogueira, M. A; Mendes, M. L. G. da C. e Martins, G. P. de C. (2011). Blogs na educação: análise do seu uso como ferramenta didático-pedagógica. In: SENACEM 2011 – I Seminário Nacional do Ensino Médio: História, Mobilização, Perspectivas,  p. 1385-1394. Rio Grande do Norte, Mossoró.

Quadros, C. L. de; Rosa, A. P. da e Vieira, J. (2005). Blogs e as transformações do jornalismo.  Revista da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação (COMPÓS), p. 1-21.

Sandrini, R. (2014). A dinâmica da divulgação científica em blogs de jornalistas e cientistas brasileiros. Dissertação de Mestrado, Programa de Pós-graduação em Jornalismo, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis.

Santos, C. M. (2012). Patrimônio cultural, blogs e educação. Revista Tempo Histórico. v. 4, n. 1.

Santos, N. B. dos. (2017). Blogs em práticas poético-pedagógicas: desterritorializando memórias e figurações. Artefactum – Revista de Estudos em Linguagem e Tecnologia, ano IX – n. 2.

Serra, J. P. (2015). Os blogs como meios de comunicação política. Revista Novos Olhares, v. 4, n. 1, p. 150-164.

Sibilia, P. (2016). O show do eu – a intimidade como espetáculo, 2ª ed. Rio de Janeiro: Contraponto.

Silva, T. P. da. (2019). Construções identitárias e TICS: o caso do blog “blogueiras negras”. Revista Extraprensa, v. 12, n. esp., p. 488-504. São Paulo.

Zago, G. da S. (2010). Dos blogs aos microblogs: aspectos históricos, formatos e características. Revista Interin, vol. 9, n. 1, 2010, p. 1-12. Universidade Tuiuti do Paraná, Curitiba.

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