Sejam bem-vindos ao cyberpunk

por Levy Henrique Bittencourt

[Abstract] “The purpose of this essay is to make a brief retrospective of cyberpunk and cyberculture literature, from two books: Cyberpunk 2020 and Neuromancer. The first is a table RPG book, released in 1990, while Neuromancer is a novel considered to be the first cyberpunk literary work, released in 1984. Although such works are technologically out of date, one should not underestimate the importance and relevance of cyberpunk to the contemporary world, both in its artistic sense and in its critical view of the world.”

 

Vivendo numa distopia

Night City era como uma experiência malsucedida de darwinismo social, projetada por um pesquisador entediado que não tirava o dedo do botão de fast-forward.

Willian Gibson, Neuromancer

Em um dia indeterminado de 2020, estava organizando a minha biblioteca, quando me deparei com um velho livro de RPG de mesa: Cyberpunk 2020, escrito por Mike Pondsmith. A edição americana fora lançada em 1990, enquanto a edição traduzida para o português é de 1996. Eu joguei Cyberpunk 2020 por alguns anos, numa época em que as pessoas ainda interagiam presencialmente, e ninguém tinha celular. Eu sei, quase inacreditável! Era o ano 2000, e, na época, o ano de 2020 parecia muito distante. E demoraria mais alguns anos para eu ler Neuromancer. O que eu não sabia na época é que o termo cyberpunk não fora inventado por Pondsmith, mas que foi gerado, nos anos 80, por um autor marginal de ficção científica. “O cyberpunk talvez tenha sido a invenção crucial do gênero nos anos 1980. O termo foi cunhado pelo pouco conhecido escritor norte-americano Bruce Bethke em um conto chamado Cyberpunk (1983)” (ROBERTS, 2018, p. 919).

Para quem não está familiarizado com o termo, RPG é a sigla em inglês para role-playing game, numa tradução livre, jogos de interpretação de papéis. O termo de mesa serve para designar os RPGs tradicionais, que usam livros, dados, regras e são jogados em grupo, em contraste com os jogos de RPG dos videogames. O jogo de RPG tradicional é muito parecido com um teatro improvisado, em que os jogadores interpretam personagens, numa dada história ou contexto, enquanto jogam dados para desempenhar certas ações no mundo do jogo, como hackear um computador ou correr de uma gangue neonazista. Ao contrário do teatro, não há falas decoradas, e nem repetições de cenas como em um ensaio. O jogo transcorre em tempo real, com as ações dos jogadores agindo nesse mundo narrativo. Os dados e as regras servem para quantificar as ações do jogador no mundo do jogo. Continuar lendo

A astúcia da fotografia: diálogos foto-ficcionais com Flusser

por Camila Mangueira Soares

[Abstract]

“The impulse of this essay was my desire to meet with Vilem Flusser and his smoking pipe in order to discuss contemporary extensions of the photographical gesture. This dialogue came through a continuing reflexive situation presented by Flusser in Los Gestos (1994) in which a photographer captures a pipe smoker in a room. Thereby, I suggest here an imaginative exercise using situations in which Flusser and I emphasize the astuteness of photography, in a way to revisit it, conduct it and complexify it through present photographical scenarios.”

Este ensaio parte do desejo de, literalmente, encontrar-me com Vilém Flusser e seu cachimbo para discutir extensões contemporâneas do gesto de fotografar. Diálogo possível através de uma continuidade da situação reflexiva apresentada por Flusser em Los Gestos (1994) na qual um fotógrafo, em um salão, fotografa um fumante de cachimbo. Assim, proponho aqui uma espécie de exercício imaginativo de situações nas quais eu e Flusser salientamos a astúcia da fotografia, de maneira a revistá-la, conduzi-la e, por que não, complexificá-la através de situações fotográficas atuais.

Gostaria de esclarecer que esta reflexão trata-se de uma tentativa advinda de minha implicação com o pensamento de Flusser e a fotografia. Se a leitura soar estranha, principalmente para o acadêmico, é porque escapa ao rigor científico tradicional para vibrar próxima aos fenômenos. Espécie de ficção filosófica na qual o “post” de um grupo de estudos encontra uma literatura ensaística.

Noções flusserianas de ensaio, implicação, astúcia, gesto e ficção filosófica estão explicitadas no desenho deste texto, pois o que interessa neste momento é o processo de empatia e reconhecimento ao próprio gesto. De maneira tal que até o científico, implicado nas situações postas, não tenha alternativa se não a de questionar e convocar suas próprias experiências com a imagem para efetivar a confrontação reflexiva. A falta de explicações mais diretas, se assim preferir, parte como uma provocação com caminho dado para as referências postas ao final. Continuar lendo

A ficção flusseriana

por Thiago Mittermayer

The Flusser’s fiction

[Abstract]

“The purpose of this article is to discuss the concept of fiction formulated by Vilém Flusser. Within the broad theoretical legacy left by visionary philosopher, it was chosen to present his original vision of fiction. The relevance of the debate is in the fact that fiction — in a general perspective — is a plural and diverse concept, since it takes different connotations in different areas. The problem takes shape and complexity when the different conceptions of fiction are muddled. And it’s in this nebulous terrain that Flusser demarcates fiction, he explains fiction especially linking philosophy, literature, communication and science.”

A ficção é discutida na filosofia, ciência, arte, cultura, literatura, comunicação, política e por aí vai. A qualidade da ficção está em ser plural, ou seja, a ficção é uma concepção multifacetada, pois assume diferentes significados em várias áreas. Todavia, o problema da ficção é exatamente ser multifacetada porque as conotações são tantas que passam a se embaralhar e a ganhar complexidade. Krause (2008, p. 126) reflete que “o poeta experimenta a ficção como a matéria-prima com a qual ele constrói a sua verdade. […] O cientista experimenta a ficção da hipótese como seu instrumento para também se aproximar da verdade”. Logo, o objetivo do presente post é delimitar o conceito de ficção estipulado por Flusser. Para isto utilizaremos o artigo Da ficção (1966) e o livro Vampiroteuthis Infernalis (2011). Além dos textos do filósofo, exploraremos os pontos de vista de Schäffauer (2011), Felinto e Santaella (2012) e Krause (2008) a respeito da ficção flusseriana e de outros conceitos circunvizinhos. Continuar lendo