Máquinas, Ética e Estética: uma abordagem peirciana

por Ricardo Maciel Gazoni

[Abstract]
Aesthetics, Ethics and Logic or Semiotic are, for Peirce, the normative sciences: they define the rules to be followed by every other science. Peirce also says that our superiority over the brutes is due to our greater number of grades of self-control. The text applies these ideas to an analysis of thinking machines and their autonomy.

 

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No dia 15 de Agosto passado Dora Kaufman indagou, aqui neste mesmo sítio da teia, se máquinas inteligentes são agentes morais. Excelente pergunta, que inspirou o desejo de acrescentar algumas considerações de viés peirciano. Dois temas: ciências normativas e autonomia.

Peirce designa três ciências normativas: Estética, Ética e Semiótica, esta última também conhecida como Lógica. São normativas porque determinam as leis de raciocínio a serem seguidas por todas as demais ciências: “lógica quanto a representações da verdade, ética quanto aos esforços da vontade, e estética em objetos considerados simplesmente em suas presentações” (CP 5.36, 1903)[i]. Santaella (1994) debruçou-se sobre a questão Estética em Peirce. Resumindo seu texto ao limite —o que é suficiente para nosso propósito—, as razões pelas quais a Lógica deveria (por exemplo) perseguir proposições verdadeiras não podem ser justificadas pela Lógica somente. Ela depende da Ética, a ciência que estuda as ações adequadas. E ainda que a Ética defina as ações, aquilo que é desejável por si é estudado pela Estética; esta deve, portanto, determinar a finalidade das ações escolhidas pela Ética. Vemos aqui, lembra-nos Santaella, as tonalidades das categorias peircianas: Estética e Primeiridade, Ética e Secundidade, Semiótica e Terceiridade.

Segue-se que o ato de pensar logicamente, seja o pensador humano ou não, depende de determinações que vão além da capacidade do pensamento lógico em si. Depende das conclusões de uma ciência da ação, uma Ética. E depende de um critério de escolhas, um critério que determine o que deve ser buscado por si, dado pela Estética. Continuar lendo

Por novas críticas ao capitalismo: as leituras de Deleuze e Guattari por Lazzarato

por Eduardo Weinhardt

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[Abstract] 

“More than once it has been pointed out in this blog that the separation between human and non-human has become even more diffuse in a society permeated by intelligent objects. Such assumption rises as un urgent need to find new approaches for a critical understanding of contemporary capitalist society. This post points out one possible path for this attempt in one of the latest books by Maurizio Lazzarato, Signs, Machines and Subjectivies (2014), specially considering the concept of “machinic enslavement” recovered by the author from the writings of Deleuze and Guattari.”

Há dois anos publiquei um texto neste blog recuperando uma antiga contenda sobre as implicações político-sociais de uma ontologia orientada a objetos e também suas potencialidades para desenvolver uma nova perspectiva crítica sobre o capitalismo. Na ocasião, retomei um texto bastante controverso de Galloway (2013) no qual ele defendia que, ao pregar a superação do correlacionismo, os realistas especulativos corriam o risco de descartar não só a fenomenologia, mas também grande parte do pensamento sócio-construtivista, inclusive “muito da segunda – e terceira – onda do feminismo, certos tipos de teoria crítica de raça, o projeto de política identitária no geral, teorias da pós-modernidade e muito dos estudos culturais” (2013, p. 357).

Embora antiga, a discussão remete a um tema ainda bastante relevante. Em mais de uma ocasião já foi comentado neste blog que, em uma sociedade permeada por objetos inteligentes, a separação entre humano e não-humano torna-se cada vez mais difusa, e, como já apontado por Santaella, o já problemático binômio sujeito-objeto mostra-se cada vez mais ultrapassado. Nesse sentido, é importante desenvolver novas abordagens para o entendimento do funcionamento da sociedade capitalista na busca por uma crítica capaz de desbravar novos possíveis caminhos de emancipação, principalmente no contexto de uma duradoura crise econômica e política de caráter global.

É tratando justamente de entender tal crise que o filósofo e sociólogo italiano Maurizio Lazzarato, radicado na França, retoma textos de Deleuze e Guattari (especialmente aqueles que Guattari escreveu sozinho) em uma de suas obras mais recentes: Signos, Máquinas e Subjetividades (2014). Segundo o autor, para entender o funcionamento do capitalismo e, portanto, da sociedade contemporânea, é importante considerar os elementos que operam no seu funcionamento de maneira independe à consciência humana. É neste ponto que os escritos de Lazzarato tornam-se particularmente interessante para nós. Continuar lendo

A ontologia Deleuzeana e o realismo especulativo

por Daniele Fernandes 

Uma mesma voz para todo múltiplo de mil vias, um mesmo Oceano para todas as gotas, um só clamor do Ser para todos os entes. Mas à condição de ter atingido, para cada ente, para cada gota, e em cada via, o estado de excesso, isto é, a diferença que os desloca e os disfarça, e os faz retornar, girando sobre a sua ponta móvel. (Deleuze, 2000, p. 477-478)

Neste artigo, temos o objetivo de realizar apontamentos sobre alguns dos conceitos da ontologia de Gilles Deleuze que influenciam o realismo especulativo, especialmente a Onto-cartografia de Levi Bryant e a Ontologia Orientada aos Objetos de Graham Harman. Exploramos a postura deleuzeana em relação aos conceitos de substância, indivíduo, ente, sujeito, objeto, máquina e agenciamento. Ao longo do artigo ainda pretendemos apontar algumas conexões com a obra de Peirce. Continuar lendo

O universo permeado de máquinas de Levi Bryant

Por Winfried Nöth
Tradução Adelino Gala

Qual é a diferença entre um refrigerador e uma obra de arte? A pergunta soa como a introdução de uma piada do tipo “o que é o que é”, onde no final somos induzidos a descobrir motivos comuns e surpreendentes entre as noções aparentemente incompatíveis. Qual é a diferença entre um funcionário e a madeira? – A madeira trabalha.

O terreno comum no qual Levi R. Bryant induz seus leitores a descobrir a semelhança entre um refrigerador e uma obra de arte, em sua Onto-Cartografia (2014: 18), deixa surpresos os leitores despreparados, quando estes descobrem que “ambos são máquinas”. A ontologia plana de Bryant não poderia ser mais plana. Não são máquinas apenas os frigoríficos e as obras de arte, mas também o são “árvores, os planetas vivos e os átomos de cobre” (ibid.). Quando Bryant fala de um mundo assim permeado com máquinas, ele obviamente se refere a objetos para os quais não se atribui qualquer das conotações negativas com que a palavra máquina tem se relacionado no curso de sua história. Por uma máquina, Bryant não significa um “estratagema”, um “dispositivo enganoso” e muito menos um “instrumento de opressão dos seus usuários”. O universo de Bryant é permeado com máquinas em um sentido muito diferente. Continuar lendo

Apontamentos para criação em um contexto “maquínico”

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Por Clayton Policarpo 

Ah, poder exprimir-se como um motor se exprime!
 Ser completo como uma máquina!
 Poder ir na vida triunfante como um automóvel último-modelo!
 Poder ao menos penetrar-me fisicamente de tudo isto,
 Rasgar-me todo, abrir-me completamente, tornar-me passento
 A todos os perfumes de óleos e calores de carvões
 Desta flora estupenda, negra, artificial e insaciável!
Álvaro de Campos – Ode Triunfal

O conceito de objeto, instaurado em nossa cultura, remete de imediato a equipamentos que se prestam a expandir capacidades e auxiliar aos sujeitos, nós humanos, a executar tarefas cotidianas. Todavia, em um contexto que objetos e ambientes tendem a adquirir certa autonomia em decorrência das constantes evoluções tecnológicas, agentes de natureza diversa evidenciam sua participação na concepção em um modelo de ecologia midiática, de modo que faz-se necessário romper com moldes rígidos e ampliar a compreensão acerca dos paradigmas de criação em um sistema ecológico e propor uma reavaliação nos modos de acesso, concepção e desenvolvimento de tais ferramentas. Continuar lendo