O que são os objetos ficcionais?


por Thiago Mittermayer

[Abstract]: “The purpose of this publication is to describe the concept of fictional objects or imaginary, nonexistent or nonfigurative objects formulated by Peirce.”

A proposta desse post é descrever o conceito de objetos ficcionais, imaginários, não-existentes ou não-figurativos (fictional, imaginary, nonexistent, or nonfigurative objects), formulado por Peirce. Quem conhece a semiótica peirciana, sabe de sua qualidade geral ao circunscrever qualquer fenômeno do univeso. Para algo funcionar enquanto signo, este deve representar alguma coisa para alguém. Em termos específicos, o signo peirciano é composto pela tríade: (i) fundamento do signo (representamen), (ii) seu objeto e (iii) seu interpretante. Além disso, o signo pode representar tanto um objeto da realidade quanto um objeto provindo de um pensamento.

Conforme Nöth (2006) explica, Peirce entende os signos como mediações e não como oposições entre o mundo material e o mental. O autor (ibid., p. 277) diz que signos não “se referem a referentes, eles representam objetos a uma mente, mas o objeto de um signo pode ser existente ou não-existente, um sentimento ou uma ideia, algo meramente imaginário ou até mesmo falso”. Então, o objeto de um signo, pode ser desde algo material, como uma pedra, até algo mental, como a simples imaginação de uma criatura inexistente como a Medusa, uma mulher com cabelos de serpentes e olhos que petrificam o observador.

Como o objeto de um signo pode ser algo falso ou que não existe? Temos um paradoxo. De um lado, as obras ficcionais têm elementos como personagens, lugares, objetos, eventos, imagens e sons que não existem em nosso mundo. De outro, esses mesmos elementos existem em suas respectivas realidades ficcionais. É possível determinar os objetos de signos ficcionais como uma fênix ou um centauro?

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Cultura e hipertelia do objeto técnico: Reconversão industrial em um mundo pandêmico e pós-pandêmico

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por Isabel Jungk

[Abstract]: “The economic crisis generated by the COVID-19 pandemic raised the issue of the need for industrial reconversion, which can be understood from the perspective of a new technical culture defended by Simondon and his concept of hypertelia, according to which, in new contexts,  technical objects tend to mismatch in relation to their excessive specialization in order to perform new functions. In a world marked by the relationship between man and his technical creations, in which, due to various biosocial factors, pandemics may be increasingly frequent and intense, a new consciousness and awareness regarding the design of machines and industries may emerge, with a view to making them more open and adaptable to frequent transformations.”

A contemporaneidade está marcada pela relação do homem com suas criações técnicas das quais dependem, em grande medida, as relações ambientais, sociais, econômicas e políticas. Com a crise sanitária desencadeada pelo surto do novo corona vírus em 2019, muitas indústrias foram levadas à chamada reconversão industrial. O conceito tem sido usado em diferentes contextos e, num primeiro momento, o fenômeno da reconversão significou modificar rapidamente o foco das plantas industriais para fazer frente à crise e atender às demandas crescentes de insumos hospitalares. Esse tipo de reconversão já é conhecido, e envolve a mudança produtiva orientada por transformações conjunturais que elevam a demanda por determinados produtos enquanto dura uma situação excepcional, como, por exemplo, a que é praticada por indústrias, tanto por iniciativa espontânea ou a pedido e até mesmo exigência do Estado, em países em situação de guerra que, para produzir equipamentos bélicos, deixam de fabricar itens de baixa ou nenhuma necessidade naquele período.

Com a Covid-19, uma verdadeira situação de guerra foi travada, e foram muitas as empresas que redirecionaram seus recursos técnicos e humanos para a fabricação de álcool gel, máscaras e respiradores, entre outros itens para o combate à pandemia. No Brasil podem ser citadas, entre outras, as iniciativas da metalúrgica Gerdau, que se dispôs a produzir 400 litros de álcool 70%; a Ford, que anunciou a produção de 50 mil máscaras de proteção facial; a Mercedes-Benz, que teve a iniciativa de testar, em parceria com o Instituto Mauá de Tecnologia e profissionais da área médica, um novo modelo de respirador utilizando peças da indústria automotiva; e a WEG, empresa de engenharia elétrica que firmou acordo a Leistung, empresa de equipamentos médico-hospitalares, para a produção de 500 respiradores, conforme Queiroz (2020). Continuar lendo

Este é o nosso território?

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por Clayton Policarpo

A pergunta que dá titulo ao presente post é também uma das provocações iniciais no espetáculo do diretor catalão Roger Bernat, exibido de 6 a 8 de junho no Multitude, mostra composta por obras e eventos que tem a multidão como tema, e que segue em cartaz no Sesc Pompéia. Apresentada como uma peça teatral, Pendente de voto integra uma tradição contemporânea que busca tornar o público parte da criação artística. Dadas as fronteiras difusas que se criam ao elencarmos categorias na arte, a obra pode se definir como teatro, performance coletiva ou um happening. Criada em 2002 na Espanha, a peça já passou por diversos países e propõe reflexões sobre os mecanismos que operam nas ações políticas.  Continuar lendo

Objetos reais e qualidades reais

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por Adelino Gala

Continuando o post sobre Harman, vamos explorar um pouco mais a construção de seus objetos e qualidades reais a partir de Heidegger.

Heidegger é o filósofo explorado longamente por Harman. É a partir de seu trabalho que Harman interpreta e propõe os conceitos fundadores de dois objetos de sua filosofia, os objetos reais e as qualidades reais. Continuar lendo

Uma chave para a mediação

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por Isabel Jungk 

De aparência bastante peculiar, a Chave de Berlim como ficou conhecida é na verdade uma chave de fechamento forçado (Schließzwangschlüssel). Criada pelo chaveiro berlinês Johann Schweiger e produzida pela Albert Kerfin & Co. a partir de 1912, seu mecanismo permite uma forma de controle de acesso ao local em que é utilizada e sua configuração simétrica, com dois segredos e sem “cabeça” não permite desvendar sua utilização facilmente. Inquietante, ela foi tema de um célebre artigo do filósofo e sociólogo Bruno Latour. Continuar lendo

Aprender a filosofar na Era Técnica

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Stefan Zsaitsists

Por Maria Ribeiro

“Claro que se começava a entrar num novo mundo. Uma ação mais poderosa deitara abaixo os deuses; o brilho das coisas era já o brilho exclusivo das coisas, uma fogueira tinha luz devido à sua matéria concreta, o divino já não era um elemento que ilumina ainda mais, era simplesmente uma outra coisa, fora, já da oposição claro/escuro. A eletricidade, dizia Lenz, tornara ridículas certas intuições sobre o divino. Não se pode confundir o que mete medo e respeito com uma eletricidade potente”. Gonçalo Tavares (2008:31)

 No romance Aprender a rezar na era da técnica, o escritor angolano Gonçalo M. Tavares (1970- ) inventaria a existência da família Buchmann, com especial atenção para os episódios vividos pelo doutor Lenz Buchmann, “a mão que segura o bisturi”. Continuar lendo

Rede, social e inteligência compartilhada

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por Tarcisio Cardoso

Quanto tempo passamos conectados por dia? A rede está em nossos celulares ou nós é que estamos na rede? Os dilemas do mundo conectado têm sido alvo de muitas críticas e rotulações, por vezes exageradas. O fato consumado é que por estarmos conectados, ou simplesmente “disponíveis” para a rede, somos pessoas diferentes, estranhas, às vezes dependentes da tecnologia e, certamente, somos cada vez mais difíceis de se entender. Uma série de estudos sobre as redes e as mudanças culturais podem nos ajudar, nesse caminho. Continuar lendo

Uma introdução ao tema: a cidade, o homem e os objetos

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por Clayton Policarpo

O humano desde os primórdios se vê encenado em um mundo repleto de coisas, e para compreende-las, delas se apropriou  e as fez sua extensão. Instrumentos externos ao corpo passaram a ampliar suas funções motoras, realizar atividades cotidianas e demarcar sua parcela no mundo. Assim, o galho, o osso, se tornaram armas e ferramentas; a pedra, muro e garantia de abrigo seguro. Continuar lendo

Tecnologia e o poder dos objetos para especular

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Por Adelino Gala

“Especulação têm como intenção ecoar, no sentido mais amplo, seu significado medieval e moderno. Primeiro,  especulação está ligada ao sentido de speculatio como as operações essencialmente reflexivas e imaginativas do intelecto e, em outro sentido, também implica para o humanismo o princípio de identidade entre o conhecimento do mundo e o conhecimento de si… identidade e alteridade.” (EILEEN, 2013: ii-iii) Continuar lendo