O que são os objetos ficcionais?


por Thiago Mittermayer

[Abstract]: “The purpose of this publication is to describe the concept of fictional objects or imaginary, nonexistent or nonfigurative objects formulated by Peirce.”

A proposta desse post é descrever o conceito de objetos ficcionais, imaginários, não-existentes ou não-figurativos (fictional, imaginary, nonexistent, or nonfigurative objects), formulado por Peirce. Quem conhece a semiótica peirciana, sabe de sua qualidade geral ao circunscrever qualquer fenômeno do univeso. Para algo funcionar enquanto signo, este deve representar alguma coisa para alguém. Em termos específicos, o signo peirciano é composto pela tríade: (i) fundamento do signo (representamen), (ii) seu objeto e (iii) seu interpretante. Além disso, o signo pode representar tanto um objeto da realidade quanto um objeto provindo de um pensamento.

Conforme Nöth (2006) explica, Peirce entende os signos como mediações e não como oposições entre o mundo material e o mental. O autor (ibid., p. 277) diz que signos não “se referem a referentes, eles representam objetos a uma mente, mas o objeto de um signo pode ser existente ou não-existente, um sentimento ou uma ideia, algo meramente imaginário ou até mesmo falso”. Então, o objeto de um signo, pode ser desde algo material, como uma pedra, até algo mental, como a simples imaginação de uma criatura inexistente como a Medusa, uma mulher com cabelos de serpentes e olhos que petrificam o observador.

Como o objeto de um signo pode ser algo falso ou que não existe? Temos um paradoxo. De um lado, as obras ficcionais têm elementos como personagens, lugares, objetos, eventos, imagens e sons que não existem em nosso mundo. De outro, esses mesmos elementos existem em suas respectivas realidades ficcionais. É possível determinar os objetos de signos ficcionais como uma fênix ou um centauro?

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O senciente e a descognição de acordo com Steven Shaviro

por Thiago Mittermayer

[Abstract] “The purpose of this text is to present the concepts of sentience and discognition elaborated by Steven Shaviro in his book Discognition (2016).

discognition

O propósito deste texto é apresentar os conceitos de senciência (sentience) e descognição (discognition) explicados por Steven Shaviro no livro Discognition (2016). Shaviro é filósofo e professor da Wayne State University (Michigan). Seu interesse está voltado para as seguintes temáticas: filosofia, ficção científica, pós-modernismo, teoria literária, teoria fílmica, panpsiquismo, realismo especulativo, tempo, dentre outros. Além de seus livros, podemos acompanhar as pesquisas de Shaviro por meio de seu blog: The Pinocchio Theory.

No início do livro, Shaviro (2016, p. 8) lança ao vento as seguintes perguntas: “O que é consciência? (…) Por falar nisso, como é ser um cachorro, um robô ou uma árvore – ou até mesmo um ser humano? O que realmente significa ser consciente, pensar, sentir ou saber?” Para ele ainda não encontramos respostas plausíveis para estes questionamentos. Assim, Shaviro (ibid., p. 9) opta por utilizar o termo senciente (sentience) no lugar de consciência e pensamento, isto porque o conceito de senciente “não pressupõe que os processos e experiências mentais sejam racionais, nem mesmo que sejam necessariamente conscientes”. Continuar lendo

O valor da dúvida para Vilém Flusser

por Thiago Mittermayer

[Abstract]
“The aim of this text is to discuss the idea of doubt elaborated by Vilém Flusser. In examining of doubt, Flusser explain others concepts like thought, intellect and reality. Our reference is the book The doubt (2011).”

 

O intelecto não tem dignidade ontológica fora dos pensamentos,
não é um Ser em si. Inversamente, não há pensamentos soltos no
intelecto. Para ocorrerem, os pensamentos devem ocorrer de
alguma maneira, e esta maneira é o intelecto.
Vilém Flusser (2011, p. 42).

Até o momento, minha participação no blog TransObjetO se dá com a publicação de dois posts: A ficção flusseriana (2016) e O conceito de imaginação de Vilém Flusser (2017). Agora, em outubro de 2018, continuo com a máxima de refletir os conceitos intrigantes de Flusser. Isto porque acredito que um dos grandes méritos do filósofo foi antecipar fenômenos atuais e traduzi-los em conceitos, tais como: aparelhos, imagens técnicas, mundo codificado, pós-história, entre outros. Logo, o objetivo deste texto[i] é analisar o valor da dúvida no diagrama conceitual do filósofo. Ao examinar a dúvida, Flusser explica outros conceitos como pensamento, intelecto e realidade. Continuar lendo

O conceito de imaginação de Vilém Flusser

por Thiago Mittermayer

[Abstract]:
The purpose of this article is simple. The goal is to disccuss the concept of imagination elaborated by Vilém Flusser. Within the theoretical legacy left by Flusser, this publication seeks to clarify his concept of imagination. Our reference is the article Eine neue Einbildungskraft (1990).”

Em outubro de 2016, o propósito da minha primeira publicação para este blog era delimitar o conceito de ficção elaborado por Vilém Flusser. Na ocasião, vimos a forma pela qual o filósofo usa e abusa de reflexões provocativas, tal como ‘ficção é realidade’, para explicar as relações complexas entre realidade e ficção. Com o intuito de continuar a investigar o diagrama conceitual deixado por Flusser, o presente post busca esclarecer a visão do filósofo a respeito do conceito de imaginação. Como referência utilizaremos o capítulo Uma nova imaginação do livro O mundo codificado (2007).

Uma nova imaginação

Esse capítulo é uma tradução do texto original Eine neue Einbildungskraft (1990) disponibilizado pelo Vilém Flusser Archive. Aqui, a preocupação do filósofo está voltada para a capacidade do humano em criar imagens para si mesmo e para outros. O tema é de longa data tanto na filosofia quanto na teologia. Segundo Flusser (2007), nestas duas tradições, a imaginação ou faculdade imaginativa é retratada como uma certeza, algo dado como certo. Com base em Edmund Husserl, Flusser (ibid., p. 161) diz ser imprescindível eliminar o pressuposto de certeza absoluta e que temos, de fato, encarar a imaginação como um fenômeno. Para ele (ibid.), a faculdade imaginativa “manifesta-se como um gesto complexo, deliberado (“intencional”), com o qual o homem se posiciona em seu ambiente”.

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Figura 1. Vilém Flusser na palestra Television image and political 
space in the light of the Romanian revolution. 
Fonte: DVD “We shall survive in the memory of others”Flusser Archive.

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A ficção flusseriana

por Thiago Mittermayer

The Flusser’s fiction

[Abstract]

“The purpose of this article is to discuss the concept of fiction formulated by Vilém Flusser. Within the broad theoretical legacy left by visionary philosopher, it was chosen to present his original vision of fiction. The relevance of the debate is in the fact that fiction — in a general perspective — is a plural and diverse concept, since it takes different connotations in different areas. The problem takes shape and complexity when the different conceptions of fiction are muddled. And it’s in this nebulous terrain that Flusser demarcates fiction, he explains fiction especially linking philosophy, literature, communication and science.”

A ficção é discutida na filosofia, ciência, arte, cultura, literatura, comunicação, política e por aí vai. A qualidade da ficção está em ser plural, ou seja, a ficção é uma concepção multifacetada, pois assume diferentes significados em várias áreas. Todavia, o problema da ficção é exatamente ser multifacetada porque as conotações são tantas que passam a se embaralhar e a ganhar complexidade. Krause (2008, p. 126) reflete que “o poeta experimenta a ficção como a matéria-prima com a qual ele constrói a sua verdade. […] O cientista experimenta a ficção da hipótese como seu instrumento para também se aproximar da verdade”. Logo, o objetivo do presente post é delimitar o conceito de ficção estipulado por Flusser. Para isto utilizaremos o artigo Da ficção (1966) e o livro Vampiroteuthis Infernalis (2011). Além dos textos do filósofo, exploraremos os pontos de vista de Schäffauer (2011), Felinto e Santaella (2012) e Krause (2008) a respeito da ficção flusseriana e de outros conceitos circunvizinhos. Continuar lendo