Humanidades digitais e agenciamento algorítmico

por Tarcísio Cardoso

tarcisio

[Abstract]: “Many of us feel a presence of something in the digital culture as a potential sadism and harmful in the social, but from there to rate the internet like “so much free”, “so less controlled”, “the enemy of the good costumes” as if the “anonymity” was the “loss of authority” there is a big difference. Despite the fact that many users are on the world wide web, few of them understand the actors that support it. One of this actors is the Mr. Algorithm, this so less comprehended nonhuman actor that does so much mediations in the network. But society generally does not know much about him. The community of researchers in digital humanities, in turn, aims to understand its capacity to act in the network, composing what it calls socio-technical agency or technical mediation (Latour, 1994). In an attempt to contribute to bring one of the themes that digital humanities have studied  the agency of algorithms , this text seeks to consider this theme as one that can be considered as belonging to the philosophy and sociology of knowledge and technology. The question that motivates this text is: within the digital society, how can algorithms be characterized as knowledge machine?

Em tempos de pós-verdade, fake news, terraplanismo, narcisismo, bolhas e cultura do ódio, acontecimentos como o atentado de Suzano abalam nosso já estremecido tecido social fazendo-nos ver um cenário desolador, mas que, justamente por isso, demanda tratamento científico, filosófico e sociológico. Como jovens dos nossos tempos com dificuldade de socializar, de se relacionar, não só sentem-se excessivamente injustiçados ou angustiados, mas encontram na cultura da internet apoios tão obtusos para alimentar suas versões de vitimização e culpabilização do outro, aumentando suas próprias revoltas e conspirações? Como a cultura da conexão, do acesso à informação, da democratização é também a cultura da invasão, da intolerância e da conspiração?

Questões duras de serem encaradas. Como se não bastassem seus já suntuosos desafios, devemos lembrar que a proliferação de versões sobre esses fenômenos não está isenta, ela própria, de tratamentos conspiratórios. Muitos de nós sentimos a presença de algo na tecnologia digital a potencializar os efeitos sadios e danosos de dilemas humanos. Mas daí a taxar a internet como “livre demais”, “controlada de menos”, “inimiga dos bons costumes” porque o “anonimato” representaria uma “perda da autoridade”, já há uma grande distância. Até porque, apesar de muitos usuários interagirem pela rede mundial, poucos compreendem, de modo minimamente distanciado das conspirações comuns, os atores que a sustentam. Um destes atores é um tal Sr. Algoritmo, este tão falado e tão pouco compreendido ator não-humano que tantas mediações faz na rede e que tantas conspirações suscita na cultura. Sobre ele também a sociedade de modo geral pouco sabe. As pesquisas em humanidades digitais, por sua vez, esforçam-se por tratar a atuação dos algoritmos na rede a partir dos chamados agenciamentos sociotécnicos. Continuar lendo

Tecnologia digital e episteme da mediação

black-mirror-white-bear

por Tarcísio Cardoso

Digital technology and mediation episteme

[Abstract]

“Since the first texts that inspired the philosophical movement that became known as speculative realism, one of the challenges that thinkers of this moviment assume seems to be the search for solutions to the obstacles promoted by contemporary philosophy (analytical and continental), especially the obstacles presented by philosophical binarism Implied in the pair of thought-being or subject-object. This search, in the view of the proponents, aims to give philosophy a capacity to reflect on the most current problems with which science and technology deals (MEILLASOUX, 2009). The purpose of this post is to reflect a little on technology, more specifically digital technology, in light of the concept of mediation proposed by contemporary thinkers such as Latour, Martino and Di Felice. The example of digital technology is a choice only partially arbitrary, since it seems to be the most paradigmatic example to identify some of the problems of the human-technical dualism. Not by chance, the digital has been recurring theme in this blog – see, for example, the recent posts of Gazoini (2016) and Camargo (2016). This text deals precisely with the relation between worldview and world experience, between episteme and culture in the universe of digital technologies.”

 

Desde os primeiros textos que inspiraram o movimento filosófico que ficou conhecido como realismo especulativo, um dos desafios que pensadores dessa corrente assumem parece ser o de buscar soluções aos entraves promovidos pela filosofia contemporânea (analítica e continental), em especial os entraves apresentados pelo binarismo filosófico implicado no par pensamento-ser ou sujeito-objeto. Essa busca, na visão dos proponentes, pretende conferir à filosofia uma capacidade para refletir sobre os problemas mais atuais com os quais lida a ciência e a tecnologia (MEILLASOUX, 2009). O objetivo deste post é refletir um pouco sobre a tecnologia, mais especificamente a tecnologia digital, à luz do conceito de mediação proposto por pensadores contemporâneos como Latour, Martino e Di Felice. O exemplo da tecnologia digital é uma escolha apenas parcialmente arbitrária, pois parece ser este justamente o exemplo mais paradigmático para identificar alguns dos problemas do dualismo homem-técnica. Não por acaso, o digital tem sido tema reincidente neste blog – ver, por exemplo, os recentes posts de Gazoini (2016) e Camargo (2016). Comecemos, portanto, com uma breve revisão histórica do que entendemos por cultura digital. Continuar lendo

Que ontologia dos objetos dispensaria os atores? Tópicos para o diálogo entre Latour e os realistas especulativos

por Tarcísio Cardoso

[Abstract]
“The main characteristic of the movement called speculative realism is its anticorrelationism approach. To Meillassoux, creator of the concept, correlationism would be a typical attitude of contemporary philosophy (both continental as analytical) to welcome and encourage the Kantian critique, and in particular the limit given by the Thought-Being binding. To reject the Kantian critique, speculative realists have found few reputed allies. One of them is the philosopher-anthropologist Bruno Latour, for whom Kant is visibly an opponent. However, Latour does not seem to agree with Meillassoux´s main project (the anticorrelationism), which is why we could hardly fit Latour as a member of speculative realism. The general proposal of that movement would be to encourage speculation in order to seek for a real detached from the subject, or in the attempt to map signals of a “being” beyond “thought”. For Latour, this labor turns out to frame them again in modern project, whereby it is possible to separate two spheres: subjects (society) and objects (nature). We can say that the thought of Latour moves away from Kantianism in a very particular way. Often, it is precisely the modern realism and the modern idealism that should be questioned for an analysis of “objects” and “facts.” To build his famous reading of modern philosophy, Latour seeks to complete a framework “modern-non-modern” which, once understood, can indeed be a good ally for the ideals of speculative realism. In order to contribute with this, we will resume here some of Latour’s ideas involved in his alternative to the modern philosophy”

A principal característica do movimento chamado realismo especulativo e que faz unir pensamentos tão diversos em um mesmo círculo está na noção de anti-correlacionismo. Para Meillassoux[1], criador de tal conceito, correlacionismo seria uma atitude típica da filosofia contemporânea (tanto continental quanto analítica) de acolher e fomentar a crítica kantiana, e em especial o limite dado pela vinculação pensamento-ser. Ao rejeitarem a crítica kantiana, os realistas especulativos têm encontrado poucos aliados de renome. Um deles é o filósofo-antropólogo Bruno Latour, para quem Kant é visivelmente um oponente. No entanto, Latour não parece concordar com o cerne da leitura de Meillassoux nem com seu projeto anti-correlacionista, motivo pelo qual dificilmente poderíamos enquadrar Latour como um realista especulativo propriamente dito. A proposta daquele movimento seria fomentar a especulação para buscar um real desvinculado dos sujeitos, na tentativa de mapear sinais de um “ser” para além do “pensamento”. Para Latour, assim como para Viveiros de Castro[2], tal empresa acaba por enquadrá-los novamente no projeto moderno, segundo o qual é possível separar as duas esferas: dos sujeitos (sociedade) e dos objetos (natureza). Continuar lendo

Paradigma, controvérsia e incomensurabilidade

por Alessandro Mancio de Camargo

no_01

O surgimento de divisões é observado em todos os campos da vida e da cultura. Muitas vezes é só diferença de ponto de vista, urdida em torno de um mesmo objeto. Outras, pode comprometer o trabalho de um grande grupo de pesquisadores. Mas a existência de crenças, mudanças de posição e disparates conceituais faz parte do útil embate para construir valores nos campos da ciência, arte e filosofia.

A constelação de crenças, valores, técnicas partilhadas pelos pesquisadores — os chamados paradigmas — são fontes de inúmeros dissabores e controvérsias, ou seja, discordâncias de opinião, mudanças de posição e incertezas entre os integrantes de uma mesma comunidade. O tema está presente, por exemplo, num post publicado por Graham Harman (1), cuja tradução está disponível em português (2). Continuar lendo

Estão chegando os alquimistas semânticos

por Gustavo Rick Amaral

Neste texto, pego carona mais uma vez em temas tratados por Tarcísio em seu post (“Latour é relativista e construtivista?”).  Na verdade, mais do que uma carona. Utilizei as análises elaboradas por Tarcísio para tentar entender o que nos textos de Latour não está muito claro (ao menos para mim). Neste meu texto, pretendo focalizar nalguns aspectos terminológicos, linguísticos das reflexões epistemológicas apresentadas por Latour,sobretudo, em “Ciência em ação” e “Jamais fomos modernos”. Comecemos por esta última obra. Ao ler este livro, tive a nítida impressão de que Latour quer nos provocar com sua escolha de palavras (para nomear suas conceituações). Universalismo particular? Relativismo universal?  (cf. diagramas – Latour, 1994, p. 103). Pode isso, Arnaldo? Como veremos, a regra não é clara. Aliás, talvez nem haja regra alguma. Continuar lendo

Latour é relativista e construtivista?

por Tarcísio Cardoso

Os textos desse grupo têm suscitado várias polêmicas. Sinal de progresso. Nada mais latouriano que atrelar o valor das palavras aos seus efeitos e tomar a relevância de um blog (espaço de intercâmbio de ideias) pela sua capacidade de incitar controvérsias. Desde que o pensamento de Bruno Latour foi associado com os nomes relativismo e construtivismo, não foram poucas as vezes em que tal leitura foi vista como polêmica. Eu mesmo vivencio controvérsias até hoje por conta de meras palavras(!). Nos debates relativos à minha própria pesquisa de doutorado, palavras são atores extremamente fortes e, a depender de como uma discussão for levada adiante, as polêmicas se acentuam de modo a suscitar batalhas quase homéricas. Não é meu intuito incitar a polêmica, mas as palavras de um pensador tão controverso quanto Latour já criam batalhas campais por si só. Continuar lendo

Latour segundo Harman

prince network

por Eduardo Weinhardt

As ideias do francês Bruno Latour têm sido um tema bastante debatido aqui neste blog. Essa recorrência, no entanto, é mais do que justificada: suas teorias têm uma influência significativa junto aos teóricos ligados ao movimento do Realismo Especulativo, em especial para o filósofo Graham Harman. Este tem realizado um grande esforço para dar, o que defende ser, a devida importância a Latour no panorama da filosofia contemporânea. Tanto que, em 2009, lançou um livro debatendo exclusivamente as teorias latourianas, chamado The Prince os Networks (cuja capa ilustra este post). Por isso, ainda que incorrendo no risco de pleonasmo, peço licença para voltar a tratar aqui sobre o pensador francês. Acredito que seja útil revisar a leitura da obra de Latour realizada por Harman, entendendo suas interpretações, para que assim possamos compreender melhor as ideias do próprio Harman.  Continuar lendo

Coca-cola, Fanta, Peirce, Latour, meu sapato e política

por Gustavo Rick Amaral

Não pude deixar de reparar que o objetivo do grupo é traçar uma correlação entre o que vem sendo denominado de realismo especulativo e o realismo peirceano. Também não pude deixar de notar que a teoria ator-rede do sociólogo e filósofo francês Bruno Latour está bem presente nos últimos posts feitos por membros do grupo e parece estar na base de algumas teses muito relevantes para o realismo especulativo. Feitas estas observações, gostaria de expressar minha satisfação com um termo específico que foi escolhido para figurar no nome do grupo: confronto. Pelo que li dos posts anteriores, creio que tivemos dois textos fundamentais para que seja feita qualquer comparação entre Peirce e Latour. Continuar lendo

Este é o nosso território?

pendente_voto

por Clayton Policarpo

A pergunta que dá titulo ao presente post é também uma das provocações iniciais no espetáculo do diretor catalão Roger Bernat, exibido de 6 a 8 de junho no Multitude, mostra composta por obras e eventos que tem a multidão como tema, e que segue em cartaz no Sesc Pompéia. Apresentada como uma peça teatral, Pendente de voto integra uma tradição contemporânea que busca tornar o público parte da criação artística. Dadas as fronteiras difusas que se criam ao elencarmos categorias na arte, a obra pode se definir como teatro, performance coletiva ou um happening. Criada em 2002 na Espanha, a peça já passou por diversos países e propõe reflexões sobre os mecanismos que operam nas ações políticas.  Continuar lendo

O ponto cego da semiótica latouriana

por Winfried Nöth

No texto precedente neste blog, Isabel Jungk introduziu os leitores ao ensaio de Bruno Latour sobre a chave berlinense. Com muita razão, este blog foi elogiadíssimo pelos aficionados dos temas que se encontram na interface entre a semiótica e o realismo especulativo.

O texto apresentado por Isabel é de fato uma chave-mestre para o entendimento da teoria Ator-Rede latouriana. Ele mostra de uma maneira exemplar como e em que sentido instrumentos não-humanos “agem” como “actantes” em interações com humanos. Latour usa o conceito de “script” (emprestado das ciências cognitivas) para descrever o papel desta chave na vida cotidiana dos seus usuários. Conforme esta interpretação, a chave é “um programa de ação” (p. 17). Continuar lendo