O que é Filosofia Especulativa?– Parte 02

por Rodrigo Petronio

[Abstract]: “This essay has the following objectives: 1. To investigate the main meanings of the concept of speculative philosophy and their respective aspects, authors and works. 2. Distinguish the general and restricted uses of the concept of speculation and speculative philosophy. 3. Explore the relationship between ontology and speculation in the 20th century. 4. Describe the centrality of the concept of infinity and transfinites to speculative philosophy. 5. Emphasize the importance of cosmology and ontology for the renewal of speculative philosophy. 6. Position the new status that speculation assumes in the media theory entitled mesology. 7. Describe the Transdimensional Topologies (TT) that emerge from this new statute. 8. Define this new speculative philosophy’s statute as Future Oriented Philosophy (FOF). 9. Analyze the main changes in the categories of time, space and causality promoted by this new definition of speculation and speculative philosophy.”

Figuras da Temporalidade

William Walsh (1968) baseia-se em uma perspectiva segundo a qual a filosofia especulativa seria um tratamento especial dada à temporalidade e à  historicidade. Não seria uma maneira de compreender a história da filosofia, mas uma doadora de modelos estruturais para a filosofia da história. Walsh situa Giambattista Vico, filósofo da história e criador de um novo modelo de compreensão dos ciclos históricos a partir do corso e do ricorso, do fluxo e do refluxo, como um dos primeiros porta-vozes dessa visão sobre o passado. Não por acaso a Ciência Nova é uma revolução nas ciências humanas e um divisor de águas na compreensão da temporalidade, dos mitos e da racionalidade. Pioneiro nas reflexões sobre o tempo humano, Vico foi lido e incorporado por nomes tão diversos quanto Marx, Isaiah Berlin e Lévi-Strauss. Nesses termos, a filosofia especulativa não seria um instrumento descritivo, compressivo ou hermenêutico dos eventos, em busca de um sentido. Especular seria operar a partir de categorias capazes de pensar as condições de possibilidades da totalidade dos eventos no tempo. E, mais do que isso, especular seria uma capacidade de reconhecer um certo fundo de determinação e liberdade por meio dos quais os processos históricos deixam de ser apenas irreversíveis e adquirem uma lógica interna em suas manifestações. Essa lógica pode ser extrapolada com o intuito de gerar padrões e regimes temporais recorrentes e, em certa medida, compossíveis e previsíveis. Ora, nessa chave, a conexão poderosa entre especulação e historicidade, pensamento e tempo profundo pode ser entendida como uma das matrizes de alguns autores basilares do pensamento moderno, como Hegel e o Idealismo alemão, Nietzsche e Freud. Inclusive pensadores tão diversos quanto Marx e Oswald Spengler podem ser identificados como pensadores especulativos. No século XX, Robin Collingwood (1978), Karl Löwith (1991), Reinhart Koselleck, Alexander Kojève, Fernand Braudel seriam expoentes da especulação. E, hoje em dia, a arqueologia dos media estaria em completa consonância com esse modelo especulativo-temporal. Continuar lendo

COSMOLOGIA E MESOLOGIA: Alfred North Whitehead e a Pluralidade dos Mundos

por Rodrigo Petronio

[Abstract]:
“Cosmology has a central place in Alfred North Whitehead’s work. One could venture to say that Whitehead’s inquiries into cosmology furnish the access to his entire philosophy. 
I shall begin my talk by presenting a few aspects of the problem of the plurality of worlds in the debates found in contemporary philosophy. I hold that Whitehead is the key figure to overcome the aporias in which this debate finds itself at present. Next, I will analyze the main points of Whitehead’s cosmology as exposed in Process and Reality. I will end with an attempt to show where mesology is continuous with process philosophy, and where it departs from it: to what extent mesology is a literal unfolding of organism philosophy, and to what extent it steps away from Whitehead, and ventures on into trails off the beaten track.”

Introdução

A cosmologia se encontra no âmago da obra de Alfred North Whitehead. Poder-se-ia dizer que a sua investigação sobre cosmologia fornece as chaves de acesso a toda sua filosofia. Embora a cosmologia seja abordada de modo paulatino ao longo das décadas de 1910 e de 1920, sobretudo em The Concept of Nature [1920], sua formalização mais acabada se encontra em Process and Reality: An Essay in Cosmology [1929], obra que pode ser vista como uma inflexão decisiva no percurso dessa investigação. Também é considerada por muitos especialistas o opus magnum do eminente pensador de Ramsgate. Há anos a obra de Whitehead tem dado diversos subsídios a uma teoria que tenho desenvolvido e que se intitula mesologia, do grego mesons, que significa meio.

A mesologia é uma ontologia corpuscular e uma cosmologia relacional que tem na filosofia do organismo de Whitehead um de seus principais pontos de partida. Como unidade formal dos intervalos e como formas relacionais, os mesons não são substâncias nem qualidades, e, portanto, como os organismos, não podem ser descritos a partir dos esquemas categoriais sujeito-predicado. A mesologia tampouco se ocupa de substâncias simples, pois o cosmos é um emaranhado de composições e de vastos continentes de complexidade distribuída. Os mesons são as unidades relacionais que articulam um meio-circundante comum. As infinidades de meios-circundantes se participam mutuamente entre si, constituindo meios-mundos. Os meios-mundos são emaranhados de séries infinitas orientadas de modo não-linear. Continuar lendo

Não há conhecimento sério que seja fruto do ‘ready-made’. Não há discurso embasado que se sustente no ‘prêt-à-porter’

por Adriano Messias

[Abstract]
“This text proposes a critical viewpoint of speculative realism. It focuses on the attempt of the so-called speculative realists to ignore the inevitable human view of the world and things. At the same time, I establish an appropriate range of reflections on psychoanalysis and neurosciences. The considerations developed here are according to a very personal perspective: it is impossible to deal with any topic without the presence of language as a mediation. On the other hand, in our contemporaneity marked by fast explanations in social media, by internet trolls and fakenews, just a serious and dense study seems able to guide researchers who really intend to produce knowledge.”

[Resumen]
“Este texto propone una crítica sobre el realismo especulativo, enfocada en el intento de los llamados realistas especulativos en ignorar el inevitable punto de vista humano sobre el mundo y las cosas. Al mismo tiempo, abro aquí un abanico de reflexiones que abordan también el psicoanálisis y las neurociencias. La canalización de las ponderaciones hechas se da hacia mi perspectiva personal de ser imposible tratar de cualquier tópico sin la presencia del lenguaje como mediación. Por otro lado, en la contemporaneidad atravesada por explicaciones rápidas en redes sociales, por trolls y por fakenews, sólo el estudio serio y denso me parece un orientador adecuado a los investigadores que desean producir conocimiento.”

 

MERLÍ_FIGURA1

Merlí

Os realistas especulativos (R.E.) não são os peripatéticos do século XXI. Ao contrário dos helenos antigos, vários dos R.E. apenas deambulam e, algumas vezes, o fazem a esmo. Vários desses novos filósofos deveriam ver com urgência as três temporadas da série catalã Merlí (Hector Lozano, 2015-2016) para entenderem melhor o que estão delirando em derrubar: o delicado envoltório “cultura e linguagem” que particulariza nossa espécie.

Pode ser que os R.E. também encontrem, nos personagens espanhóis, os traços narcísicos da própria adolescência, incluindo conflitos por serem resolvidos, os quais, invariavelmente, repercutem entre os acadêmicos que se espalham pela superfície desse terceiro pedregulho após o Sol, tanto acima quanto abaixo da linha do Equador. É questão de se descobrir e nomear o próprio S11 em uma caminhada sensível e pessoal, a fim de que se possa tocar a vida de forma menos arrogante. Porém, a sustentação do desejo depende de coragem, e não apenas de letramento.

Merlí começa pelos peripatéticos gregos e termina com os peripatéticos do século XX, incluindo, em um variado rol de pensadores, o próprio professor de Filosofia que dá título à série. Ele é o elemento-chave que alinhava o filósofo-mote de cada episódio com as questões da vida comum dos alunos secundaristas de um colégio de Barcelona. Além de terem aulas de Latim e Artes em uma instituição pública, os estudantes podem conhecer um pouco sobre Schopenhauer, Freud, Hannah Arendt, Foucault, Bauman, Kant, Zizek, Judith Butler, Nietzsche, dentre outros, por intermédio de um professor arguto. E não dê importância às críticas das redes sociais que sempre escarnecem certos produtos audiovisuais e literários: uma boa parte delas foi escrita por gente amargada e ávida em criar polêmicas e impulsionar algum canal egoico no youtube.

Antes de continuar, porém, peguemos o metrô e desçamos no Largo de São Bento.

Continuar lendo

A perene filosofia de Peirce

por Isabel Jungk

[Abstract]:

“As a result of profound scientific and philosophical formulations, the Peircean system stands out for its innovative and logical character, and for the contribution it can make to any epistemological enterprise. This post highlights the importance of the key features of his philosophy: its categorical framework, the three modes of inference, as well as the way in which they are interrelated. Such concepts can be considered timeless and, thus, are able to base the quest for knowledge in any field of investigation and at any time.”

csp
Charles Sanders Peirce (1839-1914)

Charles Sanders Peirce nasceu e viveu nos Estados Unidos de 1839 a 1914 e, atualmente, é “unanimemente aclamado como o maior filósofo da América” (NÖTH, 1990, p. 39). Todavia, passado mais de um século de sua morte, é natural que surja a pergunta sobre a atualidade de seu sistema e as possíveis aplicações que dele podem ser feitas.

A obra peirciana está imbuída do caráter lógico inaudito que com a qual ele a desenvolveu, conferindo um traço distintivo a todas suas investigações filosóficas. Em uma idade extremamente precoce, por volta dos 13 anos, o jovem Charles fascinou-se pela lógica tradicional após ler o conhecido livro de Whately sobre o assunto. Mais tarde, em 1908, em uma carta a Lady Welby, lembrou-se do evento como tendo sido crucial em sua vida, a partir do qual, como ele mesmo afirmou, nunca mais esteve em seu poder estudar qualquer coisa – matemática, ética, metafísica, gravitação, termodinâmica, óptica, química, anatomia comparativa, astronomia, psicologia, fonética, economia, história da ciência, jogos de cartas, homens e mulheres, vinho, metrologia –, exceto como um estudo de lógica (1908, SS, p. 85-86). Continuar lendo

A placenta, o irmão que tu (não) me deste ou… os filmes que vou ver com Sloterdijk

por Adriano Messias

[Abstract]:

“Peter Sloterdijk is a German philosopher of expressive erudition and daring. His extensive work runs through several fields of thought. I can highlight his magnum opus, the trilogy Spheres: from the first volume, Bubbles, I decided to write some considerations about the so-called “nobjects”. They form a kind of category that could be situated before the partial objects of psychoanalysis. The placenta itself would be a powerful nobject, on which Sloterdijk discuss brilliantly: in it lies a first notion of double which serves as a bridge to consider how a certain cinema of eschatological and gore tendencies represents vestigial elements that trouble us too much. Of course, David Cronenberg presents a good filmography that suits the assessments I make here.”

 

 5
Placenta, nosso irmão perdido

 

“Tout ce qui nous entoure, tout ce que nous voyons sans le regarder, tout ce que nous frôlons sans le connaître, tout ce que nous touchons sans le palper, tout ce que nous rencontrons sans le distinguer, a sur nous, sur nos organes et, par eux, sur nos idées, sur notre cœur lui-même, des effets rapides, surprenants et inexplicables?

Comme il est profond, ce mystère de l’Invisible!” (Guy de Maupassant)[1]

“Pour moi l’unique science vraie, sérieuse, à suivre, c’est la science fiction.” (Jacques Lacan)[2]

“Era a terra sem forma e vazia; trevas cobriam a face do abismo, e o Espírito de Deus se movia sobre a face das águas” (Gn., 1: 2).

 

I

Em um momento em que os objetos são pautados e agendados em diversas ontologias, vi-me pensando em um possível “antes dos objetos”. Claro que aí não há nenhuma novidade: em psicanálise, existe o conceito de Coisa (das Ding), essa habitante do Real e mais primitiva representante do “êxtimo” – este conceito esparso na obra lacaniana, mas brilhantemente retomado por Jacques-Alain Miller. O próprio Zizek brincou com a Coisa em um texto sobre aliens e lamelas (cf. ZIZEK, 2010: p. 77 et seq.; MESSIAS, 2016: p. 373 a 375). Porém, foi em Peter Sloterdijk que encontrei subsídios para pensar melhor sobre os não-objetos (ou sobre o “antes dos objetos”, o que me parece mais correto em minha abordagem). Continuar lendo