por Adriano Messias
[Abstract]: “This text starts with Jacques Lacan and Arthur Rimbaud and deals with René Descartes and Nietzsche in an effort to provide a reflection on the concept of ego and mind for the so-called neuropsychoanalysis. Contributions of the Catalan psychoanalyst Miquel Bassols i Puig also marks my approach. I point out that both the ego and the mind in the psychoanalytic context are inapprehensible, highlighting an impossibility for some scientific fields, above all for the longings of certain A.I. perspectives. In the semiotic game behind the wish for a technologically manipulated mind, there is always something escaping from the master’s discourse, even though it is always there, as exemplified by the Lacanian concept of extimité. I also comment the works of Mark Solms and Karen Kaplan-Solms on neuropsychoanalysis and a possible clinical application in cases of mental dysfunctions, such as Korsakoff syndrome. I conclude that mind, from my inflection points, would be much more connected to a symbolic network of significant elements, as Bassols i Puig proposes, than necessarily to a mapped and imprisoned area of the brain.”
Key-words: neuropsychoanalysis – psychoanalytic semiotics – mind – ego – extimité
***
“O que experimentamos como corpo
e o que experimentamos como mente ocupam,
na verdade, o mesmo lugar”
(Bassols i Puig)
Auroque alado, Palácio de Dario em Susa, Pérsia, 510 a.C. (Museu do Louvre)
“Eu é um outro”
Um dos delírios de certa ciência é acreditar na decifração de um saber escrito no real por meio de um sujeito suposto saber, seja ele Deus, a Natureza, a Evolução, e, mais recentemente, a tal consciência e a própria mente: ou seja, nota-se sempre um sujeito a tomar o real como signo. Bassols i Puig (cf. 2015, p. 27) ressalta a ideia de que procurar a consciência em uma construção de eu com sustentação orgânica é inútil, uma vez que, em psicanálise, o eu se faz necessariamente pela mediação de um outro, aludindo à citação de Lacan de uma frase de Arthur Rimbaud, Je est un autre: “Car Je est un autre. Si le cuivre s’éveille clairon, il n’y a rien de sa faute” (“Porque Eu é um outro. Se o cobre desperta em corneta, que culpa tem ele”?[1]).
Trata-se de um excerto da famosa carta de Rimbaud endereçada ao poeta francês Paul Demeny, chamada lettre du voyant, “carta do vidente”. Em tal formulação, constitui-se um paradoxo: o fato de se associar o “eu” que identifica o sujeito a uma alteridade que, por si só, seria um seu contrário, estranha e indefinida. Porém, tal contradição se evidencia quando se considera somente a concepção clássica do sujeito – referência primordial de identidade –, na qual este último se reportaria a si mesmo e às suas ações em primeira pessoa. Por isso, quando Rimbaud, ao escrever a carta de 15 de maio de 1871, diz anticartesianamente “Je est un autre” (“Eu sou um outro”), ele assume que a criação artística tem um embasamento bem original e que o domínio do “eu” não passa de uma ilusão por não se conseguir dominar o que dele e nele se expressa: “J’assiste à l’éclosion de ma pensée: je la regarde, je l’écoute.” (Eu assisto à eclosão de meu pensamento: eu a observo, eu a escuto.”). Continuar lendo →