Os olhos do robô

 

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HAL 9000 Eye[1]

 

por Eduardo Camargo

[Abstract]
“Is it possible to program a robot to emulate human behaviour in its details? This post proposes some reflections on this issue by analyzing the differences between the eyes of robots and humans, in real world and fiction. Besides that, Atlas by Boston Robotics and Sophia by Hanson Robotics, two humanoid robots that help in understanding the differences between simulation and emulation are presented.”

 

“I found an island in your arms
A country in your eyes
Arms that chain, eyes that lie
Break on through to the other side” [2]

1. Atlas e Sophia

Atlas[3] é um humanoide extraordinário. O robô desenvolvido pela Boston Dynamics[4] mimetiza movimentos humanos com precisão assombrosa considerando-se tratar de uma máquina de 1,8 m de altura e 150 Kg. Ele anda com destreza, salta, faz cambalhotas, gira no ar e pousa com elegância olímpica. Mas, é estúpido. Como qualquer artefato mecatrônico, são apenas sensores e atuadores que, controlados por um algoritmo implacável, permitem desempenho quase fantástico. Além de promover espetáculos atléticos, o objetivo maior da plataforma Atlas é avançar a pesquisa em mobilidade robótica através de um hardware capaz de exceder a capacidade humana de trabalho com agilidade e equilíbrio. Em resumo, Atlas quer ser uma espécie de titã robótico, carregando o peso do mundo nas costas enquanto cuidamos de afazeres mais nobres.

Sophia[5] também é uma robô bastante avançada e com propósitos ainda mais ambiciosos do que os de Atlas. A Hanson Robotics de Hong Kong, sua desenvolvedora, apresenta-se como uma companhia dedicada a criar máquinas socialmente inteligentes que enriqueçam nossa qualidade de vida[6]. A companhia desenvolveu um website com o título Being Sophia[7] onde nos convida a acompanhar a emergência da humanoide, suas aventuras, suas experiências e sua busca por aprendizado e desenvolvimento até se tornar um ser super-inteligente e benevolente. Sophia, definitivamente, não tem vocação para besta de carga, ao contrário do pobre Atlas. Mas, apesar da combinação da IA simbólica com redes neurais, sistemas especialistas, percepção de máquina, processamento de linguagem natural, controle motor adaptativo, arquitetura cognitiva e outras técnicas responsáveis pela programação de Sophia, ela estaria apta a extrapolar o campo da estupidez programada para, realmente, enriquecer nossa qualidade de vida?

A diferença de propósitos dos dois projetos aponta diretamente para a diferença entre simulação e emulação. Enquanto se espera de Atlas, simplesmente, a obediência servil para cumprir suas tarefas de maneira eficiente e segura, simulando aspectos da mobilidade humana, Sophia precisa ir além, precisa emular de maneira inequívoca o seu modelo ao ponto de não ser possível diferenciá-los. Somente assim, teríamos a possibilidade de uma resposta positiva à questão proposta. No entanto, há problemas. A emulação da complexidade humana parece uma tarefa intransponível. Consideremos um exemplo: os olhos. Comecemos com uma hipótese, a de que seria possível emular os olhos humanos, ao menos em sua estrutura. Vamos tomar os robôs do cinema como analogia para refletir sobre a suficiência desta hipótese para o caso de Sophia. Depois, veremos como retornar à realidade. Continuar lendo

Panorama e crítica da vida artificial

por Eduardo Pires de Camargo

[Abstract]
“This post presents a short history of the artificial life field as conceived by Christopher Langton in the 1980s. It exposes Langton’s early ambitions as well as the closeness of interests and methods between artificial life and artificial intelligence. The text concludes with the introduction of Claus Emmeche’s critique of Langton’s dualist position, pointing to the realism of Charles Sanders Peirce as a possible theoretical foundation for the development of the field of artificial life.”

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Martinet, 2016

 

1. O panorama da vida artificial

O termo vida artificial (VA), como referência a um campo específico de pesquisa, foi utilizado pela primeira vez por Langton (1986) ao desenvolver estudos inspirados pelos autômatos celulares de von Neumann (1966). Os esforços iniciais para estabelecer as bases desta nova disciplina resultaram na organização do “Workshop Interdisciplinar sobre a Síntese e Simulação de Sistemas Vivos”, em setembro de 1987, em Los Alamos, Novo México. Este workshop foi o embrião de duas séries de conferências internacionais a respeito da vida artificial, a “Conferência Internacional sobre a Vida Artificial” e a “Conferência Europeia sobre Vida Artificial”, bianuais e intercaladas. Em 1993 surge o jornal “Vida Artificial”, do qual Langton é o primeiro editor. Tanto o jornal quanto as duas conferências passam a ser formalmente coordenados pela Sociedade Internacional para a Vida Artificial, estabelecida em 2001 (BEDAU, 2003, 2007; BANZHAF; MCMULLIN, 2012). Em 2018, as conferências foram unificadas em um evento anual, a “Conferência sobre a Vida Artificial” cuja primeira edição ocorreu em Tóquio. Banzhaf e McMullin (2012) recuperam o anúncio do workshop original que define o novo campo da vida artificial como:

[…] O estudo de sistemas artificiais que apresentam características comportamentais dos sistemas vivos naturais. Isto inclui simulações computacionais, experimentos biológicos e químicos, e tarefas puramente teóricas. Processos que ocorrem em escala molecular, celular, neural, social, e evolucionária são objetos de investigação. A meta final é extrair a forma lógica dos sistemas vivos. Continuar lendo

Projetando transobjetos

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por Eduardo Camargo

Designing transobjects

[Abstract]

“Beyond theoretical issues, Transobjeto group presents a section that deals with possible applications resulting from the new ontology of the object proposed by the speculative realism. One of the practical interests concerns sentient objects and environments that arise from ubiquitous computing and the internet of things. Such objects and environments, increasingly common, are endowed with sensors, actuators and artificial intelligence systems interacting with humans and other objects, either physically or via IoT. Thus, given the potential impact of this new technology, this post gives a brief reflection on the design of sentient objects from the point of view of industrial design.”

Além das questões teóricas, a pesquisa do grupo Transobjeto apresenta uma vertente que se debruça sobre possíveis aplicações resultantes da nova ontologia do objeto proposta pelo realismo especulativo. Como se verifica neste blog (aqui), uma das preocupações práticas do grupo diz respeito aos objetos e ambientes sencientes que surgem a partir da computação ubíqua e da internet das coisas. Tais objetos e ambientes, cada vez mais comuns, são dotados de sensores, atuadores e sistemas de inteligência artificial interagindo com humanos e outros objetos, seja fisicamente ou através da internet (Internet of Things e Industrial Internet of Things). Como diz Santaella:

“Temos que começar a nos acostumar com o fato de que os objetos, que costumávamos ver como coisas inertes ao nosso dispor, para o uso, desuso e abuso, já começam a ficar sencientes, quer dizer, dotados de sensorialidade e certa inteligência” (2013, p. 32).

Assim, diante do impacto potencial da interatividade com esses novos objetos, este post faz uma breve reflexão a respeito da concepção e construção desses dispositivos do ponto de vista do desenho industrial[1] e da importância de se pensar na intenção a partir do projeto de interfaces adequadas.

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O filósofo e o artesão

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por Eduardo Camargo

  1. Carpintaria filosófica

No capítulo 4 de seu livro Alien Phenomenology, Bogost (2012, pp. 85-111) estende o termo carpintaria para além do ofício do artesão e o direciona para o mundo da produção acadêmica. Ele sustenta que o resultado do trabalho intelectual, principalmente nas áreas das humanidades, restringe-se à publicação de artigos e livros e, como efeito desta obsessão, aponta dois problemas recorrentes: primeiro, com sua tendência à obscuridade, à incompreensibilidade e ao uso de jargões, normalmente, o acadêmico é um mau escritor; segundo, considerar que apenas através da escrita podemos acessar o mundo pode ser perigoso, pois, enquanto damos atenção exclusiva à linguagem, garantimos nossa ignorância de tudo o mais. Então, seria a escrita o melhor e mais apropriado meio de expressão para o trabalho acadêmico? Ou, mesmo, seria o único? Continuar lendo

A persona estendida e a internet das coisas

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por Eduardo Camargo

  1. A mente estendida

Onde a mente termina e o resto do mundo começa? Como resposta, alguns sustentam que o que está fora do corpo físico está fora da mente. Outros se impressionam com argumentos que sugerem que os significados de nossas palavras estão fora da mente, assim sendo, o externalismo a respeito dos significados implicaria também no externalismo de nossas mentes. Andy Clark, cientista cognitivo e filósofo da mente, propõe uma terceira posição, um externalismo ativo baseado no papel atuante do ambiente na condução de processos cognitivos (Clark, 2011: 220-232). Continuar lendo

Ética achatada e inteligência artificial (IA)

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por Eduardo Pires de Camargo

Em tempos de computação pervasiva, comunicação ubíqua, internet das coisas e veículos autônomos, dentre tantas possibilidades apontadas pela tecnologia atual, parece-me bastante relevante o tema proposto por Levi Bryant para sua palestra de 18 de outubro de 2012 na Universidade do Texas: Questions for Flat Ethics. Começo o post com uma revisão neutra de suas considerações e encerro com algumas reflexões acerca da IA inserida no contexto de uma ética achatada. Continuar lendo