A imagem como tecnologia simbólica

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por Camila Mangueira Soares

[Abstract] This essay is dedicated to the understanding of the image as a symbolic technology. It aims to contribute to the discussion regarding the phenomena of image expansion as a cultural, technological, sign processing. Sharing these ideas, by starting with some thoughts of Vilém Flusser, I expect to spark some conversations with respect to how certain languages intersect to the image field and compose increasingly complex codes and processes.

Esse post é dedicado à percepção da imagem como tecnologia simbólica. A intenção é a de colaborar com a discussão sobre os fenômenos de expansão da imagem como um processo cultural, tecnológico, sígnico. Com isso, e partindo de algumas ideias de Vilém Flusser, espero lançar algumas luzes sobre como certas linguagens se interseccionam no campo da imagem e compõem códigos e processos de códigos cada vez mais complexos.

Flusser foi, conforme nos lembra Winfried Nöth (2009), um dos primeiros teóricos das mídias a discutir símbolos como mediadores entre cultura e natureza. Um olhar mais atento para a suas ideias sobre a escalada da abstração (1983) e uma nova imaginação (1989, 2007), desenvolvidas no contexto de sua teoria sobre as imagens técnicas, pode nos dar algumas informações valorosas para compreendermos a evolução da imagem como símbolo, código, instrumento, tecnologia. Vejamos, então, a seguir, a relação entre esses textos em direção ao pensamento sobre imagem.

De acordo com Flusser (1983), imagens tradicionais representam algo geralmente externo à imagem em si. Elas podem ser entendidas como alguma coisa que ocupa um lugar no espaço e tempo, e que se tornam compreensíveis para nós por meio de abstrações. Essa qualidade é essencial para que possamos compreender as mensagens que as imagens carregam. Essas mensagens codificam eventos em situações, processos e cenas. Flusser (1983) adiciona que essas imagens funcionam como mapas capazes de guiar os humanos no mundo.

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Realidades adicionais estão a caminho

por Lucia Santaella

[Abstract] “The convergence of what we call the real world with simulated content is leading to the emergence of new environments: Virtual Reality (VR) and Augmented Reality (AR) that also respond by the name of Mixed Reality, Hybrid Reality, Extended Reality and Expanded Reality. The nomenclature is not new for technological artists who, since the end of the last century, had already performed experiments of this order. However, new and more sophisticated features are allowing the emergence of additional realities that are gearing up for mass adoption. This article will present the new trends that are announced and suggest that, in a very short time, the notion of reality that until today we have conceived will be placed under interrogation.”

A convergência daquilo que chamamos de mundo real com conteúdos simulados está conduzindo à emergência de novos ambientes: Realidade Virtual (RV) e Realidade Aumentada (RA) que também respondem pelo nome de Realidade Mista, Realidade Híbrida, Realidade Estendida e Realidade Expandida. A nomenclatura não é novidade para os artistas tecnológicos que, desde o final do século passado, já realizavam experimentos dessa ordem, o que só vem, mais uma vez, comprovar que os artistas sempre tomam a dianteira em relação ao que virá.

Antecipações artísticas

No início dos anos 2000, Lev Manovich (apud Souza e Silva 2004, p. 282) chamava atenção para onde o uso artístico dos ambientes expandidos poderia levar.

O espaço aumentado pode ser pensado como o passo seguinte na trajetória de uma parede plana para um espaço 3D. Já há algumas décadas, os artistas lidam com todo o espaço da galeria; em vez de criarem um objeto que o observador deveria “olhar”, os artistas colocaram o observador “dentro” desse objeto. Hoje, junto com os museus, os artistas possuem um novo desafio: colocar o usuário dentro de um espaço preenchido com dados dinâmicos e contextuais, com os quais o usuário pode interagir.

De fato, embora estejam ainda dando seus primeiros passos rumo a sua popularização em uma indústria madura, a RV e a RA prometem se tornar corriqueiras em menos tempo do que imaginamos. Considera-se que o termo Realidade Virtual tenha sido criado por Jaron Lanier para se referir a ambientes de dados que, com a ajuda de acessórios como luvas e capacete, eram capazes de fornecer ao usuário um alto grau de vividez e imersão sensória total. Continuar lendo

Humanidades digitais e agenciamento algorítmico

por Tarcísio Cardoso

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[Abstract]: “Many of us feel a presence of something in the digital culture as a potential sadism and harmful in the social, but from there to rate the internet like “so much free”, “so less controlled”, “the enemy of the good costumes” as if the “anonymity” was the “loss of authority” there is a big difference. Despite the fact that many users are on the world wide web, few of them understand the actors that support it. One of this actors is the Mr. Algorithm, this so less comprehended nonhuman actor that does so much mediations in the network. But society generally does not know much about him. The community of researchers in digital humanities, in turn, aims to understand its capacity to act in the network, composing what it calls socio-technical agency or technical mediation (Latour, 1994). In an attempt to contribute to bring one of the themes that digital humanities have studied  the agency of algorithms , this text seeks to consider this theme as one that can be considered as belonging to the philosophy and sociology of knowledge and technology. The question that motivates this text is: within the digital society, how can algorithms be characterized as knowledge machine?

Em tempos de pós-verdade, fake news, terraplanismo, narcisismo, bolhas e cultura do ódio, acontecimentos como o atentado de Suzano abalam nosso já estremecido tecido social fazendo-nos ver um cenário desolador, mas que, justamente por isso, demanda tratamento científico, filosófico e sociológico. Como jovens dos nossos tempos com dificuldade de socializar, de se relacionar, não só sentem-se excessivamente injustiçados ou angustiados, mas encontram na cultura da internet apoios tão obtusos para alimentar suas versões de vitimização e culpabilização do outro, aumentando suas próprias revoltas e conspirações? Como a cultura da conexão, do acesso à informação, da democratização é também a cultura da invasão, da intolerância e da conspiração?

Questões duras de serem encaradas. Como se não bastassem seus já suntuosos desafios, devemos lembrar que a proliferação de versões sobre esses fenômenos não está isenta, ela própria, de tratamentos conspiratórios. Muitos de nós sentimos a presença de algo na tecnologia digital a potencializar os efeitos sadios e danosos de dilemas humanos. Mas daí a taxar a internet como “livre demais”, “controlada de menos”, “inimiga dos bons costumes” porque o “anonimato” representaria uma “perda da autoridade”, já há uma grande distância. Até porque, apesar de muitos usuários interagirem pela rede mundial, poucos compreendem, de modo minimamente distanciado das conspirações comuns, os atores que a sustentam. Um destes atores é um tal Sr. Algoritmo, este tão falado e tão pouco compreendido ator não-humano que tantas mediações faz na rede e que tantas conspirações suscita na cultura. Sobre ele também a sociedade de modo geral pouco sabe. As pesquisas em humanidades digitais, por sua vez, esforçam-se por tratar a atuação dos algoritmos na rede a partir dos chamados agenciamentos sociotécnicos. Continuar lendo

Arranjos inteligentes

por Alessandro Mancio de Camargo

[Abstract]

“Smart arrangements. Both the more traditional and the more disruptive languages aim to promote reasonings not necessarily related to the truth of the facts. Thus, fictions have been sustained to universalize all possible kinds of paradigms, even those that are more biased and therefore unfeasible over time. In this framework, intelligent collectives perform reasoning tasks more appropriately than individuals. However, nowadays this only happens if there is training and access to the new dynamic bases of digital culture: blockchain, firmware, biohacking, IoT.”

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Fonte da imagem royaltie free: Pexels/pixabay.com

 

A capacidade humana de criar linguagens, conquistada e compartilhada ao longo de dezenas de milhares de anos em sintonia com a evolução das habilidades cognitivas (CHOMSKY, 2014) – tais como aprendizado, memória, autocontrole do pensamento, comunicação –, garantiu uma vantagem competitiva sem igual no ecossistema. Vide o desenvolvimento da linguagem agrícola, utilizada para promover operações, técnicas e métodos necessários à cultura vegetal e à criação animal para multiplicar a produção de alimentos de forma a abastecer bilhões de pessoas no século XXI (CONWAY, 2003).

Uma explicação plausível para evolução das linguagens é a necessária relação com o outro, independentemente de este ser uma pessoa ou um campo de trigo (CAMARGO, 2016a). Portanto, fato fundamental para expansão e aprimoramento das linguagens é a contínua universalização de suas habilidades por meio de um sistema de transmissão, relação e troca de suas capacidades, particularmente aquelas voltadas a conquistar a atenção e o interesse dos outros. Educação necessária para a sobrevivência em grupo e que segue válida na sociedade em rede (CAMARGO, 2016b). Continuar lendo

A IA veio para ficar, crescer e se multiplicar

por Lucia Santaella

[Abstract]:

“Judging by its recent advances, there is little doubt that, sooner or later, AI should cover many of the competencies we have hitherto considered to be exclusive privileges of humans. It is not the recent advances in AI alone that can justify the above prognosis and justify even more the title of this brief article that advocates the growth and multiplication of AI. Where is the justification for the growth of AI, including the one that is capable of dealing with the usual criticism that hastily conceals, with the label of “technological determinism”, its prejudices against any advances in technology? In explaining why and how human intelligence grows, this article aims to provide answers to the postulation of the growth of artificial intelligence, conceived as an enhancement of human intelligence itself.”

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Não é preciso ser um especialista em Inteligência artificial (IA) ou conviver com especialistas para perceber que seus avanços, nos últimos anos, chegam a ser desconcertantes. Embora esteja na crista da onda tecnológica, que hoje poderíamos melhor chamar de tsunami tecnológico, a IA tem uma história cuja especificidade remonta a meados do século 20. Para os iniciantes e também para aqueles que, sem conseguir esconder seus preconceitos, pressupõem que se trata de moda passageira, há algumas volumosas obras que tratam da história da IA e dos principais tópicos que vêm sendo estudados e realizados empiricamente.

Muito visitado e citado é o livro de Russell e Novig (2010, cuja primeira edição remonta a 1994) que trata a IA sob o prisma do agente inteligente, com ênfase nos inputs, ou seja, nos estímulos perceptivos que esse agente recebe do ambiente, e nos outputs, quer dizer, nas ações por ele performatizadas nesse mesmo ambiente. Assim, a IA tem por tarefa representar as diferentes funções que mapeiam a sequência de perceptos que levam a ações, tais como “agentes reativos, planejadores em tempo real, sistemas teoréticos de decisões etc. (p. viii). O livro começa com as fundações da IA, caminha por seu desenvolvimento histórico, avança por um numeroso elenco de conceitos nela implicados, para terminar em questões filosóficas, inclusive éticas. Continuar lendo

Quando as coisas significam outras coisas. Considerações sobre o abismo flusseriano e suas outras realidades

Por Monica Allan

[Abstract]:

The Czech thinker Vilem Flusser used to rewrite his books instead of translating them, how was everyone’s knowledge. That´s the reason some editions from one language to another may present some differences. The universe of technical images: praise of superficiality (2008) is the example of this. The Portuguese edition develops the philosopher´s ideas in four degrees to get into abstraction, chapter Abstrair. In the German one, according to Santaella (2016, p.106-117), it would be the fifth degree whereas the first of them is the condition of the primitive man in basic constitution. Therefore these are the degrees: 1) three-dimensionality, 2) two-dimensionality, 3) one-dimensionality, 4) zerodimensionality.

This article plunges into Flusserian dialogue from its fourth degree – zerodimensionality (Port ed.), where in lieu of nothing there are possibilities – the abyss´s plunge. The Flusser´s image theory (his anthropologic model of communication) allow us to investigate images as speculative realities.

 

Zerodimensionalidade: modo enter

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Figura 1 - Les Voyageurs, Cédric Le Borgne, 2016, foto de Mattew Andrews.

 

Flusser não vivenciou as imagens digitais mas antecipou a virtualidade, a queda no abismo do sistema mítico-mágico enquanto cenário e emergência do novo, da criatividade programável, consciente. O abismo do qual Flusser refere-se em seu livro O universo da imagens técnicas: elogio à superficialidade é em si o mergulho modo enter em outras realidades possíveis, como o autor antevia e a matemática pode viabilizar imagens em pixels. Nessa obra citada acima, assim como em Comunicologia (2015), fica claro o processo de transição dos mundos em graus evolutivos do pensamento até a zerodimensionalidade. Esse processo de abstração também descrito como modelo comunicacional da teoria da imagem faz ponte atomista em Demócrito, quando o filósofo tcheco descreve o clinamen onde as partículas caem no “vazio” e os mundos são criados desse nada (ausência de formas) a partir do cálculo – degrau por degrau. Na opinião do autor, esse é o momento em que a abstração leva à concretude e realiza a inversão do paradoxo criativo (antes a abstração partia do concreto/cenário para o imaginário). Santaella (2016), faz uma minuciosa análise dessa proposição flusseriana da história da cultura em quatro ou cinco graus/degraus no artigo Paradoxal retorno do concreto, quando a autora se entusiasma pelo modelo antropológico de evolução pela imagem. Continuar lendo

Os enlaces da mente-matéria

por Lucia Santaella

[Abstract]

“Quantum physics has brought to the fore the question of the effects that consciousness can provoke in the physical world. At that time treated somehow naively, the question has returned very forcefully recently, in ontological debates under the name of the post-human turn, in which are engaged philosophers, media theorists, artists and scientists. One of the key elements of these debates lies in the search for overcoming the old Western dichotomies, among which the most fundamental is that of mind / matter. Unfortunately Peirce’s potent philosophy has been the great forgotten of these debates, although in it can be found invaluable sources for solving many dilemmas.”

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Em 15 de janeiro de 2016, a revista Pazes, de caráter espiritual, lançou uma matéria com um título aparentemente sensacionalista: “Físicos chocam o mundo ao afirmarem que nossos pensamentos afetam o mundo fisico”. O conteúdo do texto, de fato, apresenta noções surpreendentes e até mesmo chocantes.

Para introduzir o leitor ao tema, as afirmações iniciais são relativamente consensuais: “Década após década, vários cientistas têm considerado os fatores associados à consciência (percepção, sentimentos, emoções, atenção mental, intenção etc.) como parte fundamental da ciência – que não se pode compreender plenamente ciência, física, especialmente quantum, sem incluir o estudo da consciência.”

Entretanto o texto avança para noções mais ousadas, como, por exemplo, a afirmação de Max Plank: “Eu considero a matéria como um produto derivado de consciência”. Ou então, a declaração de Eugene Wigner de que “não foi possível formular as leis da mecânica quântica de uma forma plenamente coerente sem referência à consciência.” Sem dúvida, há algum tempo, os físicos estão sendo forçados a admitir que o universo é uma construção mental, a ponto de Sir James Jeans ter sido levado a declarar que “o fluxo de conhecimento está caminhando em direção a uma realidade não-mecânica; o universo começa a se parecer mais com um grande pensamento do que com uma grande máquina. A mente já não parece ser um intruso acidental no reino da matéria, devemos saudá-la, em vez como o criador e governador do reino da matéria”. Com tudo isso, somos levados a concluir, com RC Henry, que “o universo é imaterial-mental e espiritual.” Continuar lendo